1158-TRES BATIZADOS

APÓS a saída dos fiéis assistentes à missa das nove da manhã, aos domingos, havia a cerimônia de batismo dos recém-nascidos na paróquia de Nossa Senhora Aparecida, em Vento Leve.

Cidade pequena, sem muita coisa para fazer nas noites calmas e sonolentas, casais prolíficos a povoavam com seus muitos filhos.

Em consequência, todos os domingos havia, após a missa, a cerimônia de batizados, quando dois, três ou quatro bebês recebiam o santo sacramento da Igreja Católica.

Três casais (e respectivos nenês, padrinhos e madrinhas) aguardavam a chegada do padre Guido Firenzze à pia batismal, na manhã amena de outono,.

Benevides e Dona Constância, Heráclito e Dona Francisca e doutor Rodrigo e Dona Carmem eram os pais dos nenêzinhos de algumas semanas.

Chegou o padre, como um turbilhão: alto, louro, muito louro, corpulento, rosto redondo e bem barbeado, de passos largos e gestos a cada três palavras. Uma presença marcante não só pelos modos que denunciavam a origem italiana, como pelo conhecimento que tinha da teologia, que aplicava com rigor.

— Venha o primeiro — disse num vozeirão que consoava com seu tipo.

O sacristão chamou:

— Venham Seu Benevides e Dona Constância e os padrinhos.

Entraram. Ela trazia nos braços o filhinho. Ele, meio que sem jeito, ficou ao lado da esposa.

Benevides não frequentava a igreja. Dono da Padaria Pão Fresco, era maçom e tinha ideias próprias na política. Seus melhores amigos eram os velhos italianos, imigrantes de século passado, com os quais comungava uma admiração por Mussolini, ditador da Itália.

Quando o padre Perguntou “qual é o nome para o nenê?”, encarou-o com firmeza e disse:

— Mussolini.

Essa não! Quer dar o nome a um ditador que persegue judeus e católicos. — pensou o padre. — Se ele soubesse o quanto de mal Mussolini já fez para a Santa Sé...

— Não pode. É o nome de um homem que é contra a Igreja Católica. — disse, sempre no vozeirão de trovão. — Escolha um nome de santo.

Benevides não tinha pensado naquela proibição. Não tinha outro nome. Olhou para a mulher, que nada entendia de política, não sabia o que dizer. Mas foi ela quem deu a resposta ao padre:

— Jo...José. É o pais de Jesus, não é? Pode ser...?

Mama de Dio! O Pai de Jesus é Deus Pai, não o São José. Ma...— Resoluto, para não delongar mais, batizou o garoto, adiantando o nome de José ao Mussolini, ficando pior a emenda que o conserto.

Batizado seguinte. Quando o padre perguntou o nome, teve um arrepio ao ouvir o homem responder:

— Vais se chamar Lenine.

Dio Santo! Ma onde anda la cabeça de questa gente?

Sabia que Heráclito era o chefe da estação da estrada de ferro, já o vira diversas vezes quando tomara o trem para visitar o bispo. Mas não sabia que era comunista.

— Também não pode. É nome de revolucionário russo, contra a Igreja Católica.

— Escolha outro, Nome de santo da Igreja Católica.

Da mesma forma que o pai anterior, não lhe ocorrera que o nome seria proibido. E não tinha a mínima ideia de nome de santo católico. Um dos padrinhos sugeriu:

— Pedro! Pode ser Pedro?

E o garoto foi batizado de Pedro Lenine.

O terceiro batizado decorreu normalmente. Dona Carmem havia escolhido um lindo nome para o filhinho: Fidel, que significa fiel, e uma homenagem também ao sogro, Don Fidel de Los Montes Castro.

Assim batizado, ficou sendo Fidel Castro, com orgulho do pai.

Quem visita Vento Leve, pequena cidade do Sul de Minas, poderá ainda hoje, tanto tempo depois, encontrar os três batizados numa só manhã: José Mussolini, dono de um cartório, Pedro Lenine, farmacêutico, e o Dr. Fidel Castro, que seguiu os passos do pai e formou-se em direto, herdando o escritório e a clientela do pai.

Eu me lembro bem dos três, com os quais compartilhei momentos da meninice, jogando bola na rua empoeirada em frente de minha casa. Os gritos eram audíveis ao longe:

— Passa a bola, Mussolini!!

— Chuta no gol, Lenine!!

— Atrasa, atrasa prá mim, Fidel.

Por mais estranho que possa parecer, a rua onde fica minha casa se chama Rua Dr. Leonino Guerra.

ANTONIO ROQUE GOBBO - O senhor dos contos

Serra da Moeda, 26 de maio de 2021

Conto # 1158 da série INFINITAS HISTÓRIAS

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Antonio Roque Gobbo- escritor contista nasceu em São Sebastião do Paraiso (MG) em 9 de novembro de 1935. Escreveu 1º. Conto em agosto/1999,aos

65 anos e já escreveu 1158 contos. Editou 11 livros de contos. Interessado em comprar? Comunique-se pelo e-mail argobbo@yahoo.com.br

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 03/12/2022
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