Guerra particular
A discussão se estendia, a ponto de terem perdido a noção de tempo. Podiam ter se passado minutos que eram como horas ou, de fato, se passado longas horas de muitos ataques e ofensas. O estopim da briga? Nem lembravam mais, na ânsia da raiva. No momento em que cada um defendia o seu front, novas munições eram utilizadas e lançadas em território inimigo e cada ataque resultava num contra-ataque e, assim, a batalha se renovava a cada minuto. Cada qual, tentava gritar mais alto ou ter a última palavra como desfecho do embate, mas isso era praticamente impossível. Naquele momento, se odiavam mais do que tudo e abrir a guarda ou mostrar a bandeira branca era inaceitável para qualquer lado. Faziam uso de suas metralhadoras acusatórias mas, ao mesmo tempo, fingiam não se ferir com as palavras. “Maldito dia em que te conheci. Você é a pior pessoa do mundo”, ele disse. Foi nesse momento em que ela foi atingida.
Ela até que tentou encontrar alguma granada verbal para jogar no inimigo, mas não encontrou. Engasgou e as lágrimas lhe vieram aos olhos. Era hora de bater em retirada. “Eu te odeio”, ela disse, enquanto se lançava para atravessar a rua e ir embora. Ele virou as costas e se foi para o outro lado, vitorioso. Cega de raiva, ela não enxergou o carro, que a atropelou. O grito dela lhe atingiu mais do que qualquer coisa. Ele se virou e viu o seu corpo de 1,60 ser arremessado a uma altura considerável e atingir o solo. Seu coração pesou uma tonelada. Instantes depois, a multidão se aglomerava em torno dela, que fechava os seus olhos. Ambulância. Hospital. Correria. Oxigênio. Médicos. Transfusão. Dois dias depois, ao abrir os olhos o viu. Com a mesma roupa, a barba crescida, com olheiras profundas. Ela suspirou. Ele estava atento a sua respiração. Ambos se olharam e ele se entregou às lágrimas. “Eu te amo”, ele disse. “Eu sei”, ela sorriu...