Impaciente

Impaciente (José Carlos de Bom Sucesso – Academia Lavrense de Letras)

No relógio, acima da banca da cabeceira da cama, forrada com a alva toalha tecida em cetim, com bordados em formas geométricas, os ponteiros marcavam sete horas e quarenta e cinco minutos, naquela manhã quente, onde os raios solares iam de encontro à fresta da janela esculpida em madeira, colorida com o mais puro e brilhante verniz.

Dentro do banheiro, à frente do espelho grande, rodeado por pequenas lâmpadas no estilo francês, Josélia, funcionária pública aposentada, mas ainda trabalhado em regime total para se reformar em outro cargo, ajeitava o cabelo com o novo penteado. Nos lábios, o batom na cor vermelha. Os brincos ingleses já se realçavam nas pequenas orelhas refletindo a luz. O vestido em tecido tricoline, em cor clara e composto por alguns desenhos, combinava com a sandália clara calçando os pés, nos quais era visto o esmalte cintilante, dando-lhes o mais puro e belo brilho para o momento. Os anéis cobriam alguns dedos e o relógio suíço era visto no braço esquerdo. A pulseirinha de ouro cobria o braço esquerdo. No pescoço, o lindo cordão, também em ouro, trazia a pequena imagem de Santa Isabel, sua protetora.

Momentaneamente, ela saiu bem apressada e logo voltou, pois esquecera as luzes acesas. Mais uma vez se olhou ao espelho e comprovou que estava bem trajada e muito elegante.

Já havia colocado as chaves junto à fechadura da porta, mas faltou-lhe à memória o majestoso aparelho celular, na cor rosa, presente ganho da filha que reside e se domicilia nos Estados Unidos da América. De posse do aparelho telefônico, que foi colocado dentro da bolsa de couro na cor clara, com vários detalhes desenhados exclusivamente pela sobrinha, ela a colocava sobre o ombro e serenamente caminhava sentido à Igreja Matriz.

No percurso, encontrava com algumas pessoas conhecidas e também outras desconhecidas. Com o falso sorriso, ela as cumprimentava e logo no pensamento alguma expressão de descontentamento. Sempre colocava mais um defeito e se perdoava automaticamente na alma psíquica. Era um ou mais pensamento, tais como o marido da fulana de tal a abandonou; que a filha da dona do mercado estava grávida do marceneiro, homem casado; que o filho do Sr. João estava preso por ter assaltado banco na capital; que a Marilda traía o marido com o médico pediatra; que a diretora da escola estava mal arrumada na cerimônia de colocação de grau do colégio; que a banda de música não tocava bem, enfim, tudo isso ou mais novos pensamentos.

Já se encontrando dentro da praça da Igreja Matriz, ela para por alguns instantes para apreciar a paisagem. Fez cara feia quando viu que dois pássaros machos brigavam para o acasalamento com a fêmea. Irritou-se consigo mesma e disse em voz íntima que aquilo seria “uma pouca vergonha”. Distraiu-se com quatro ou cinco borboletas que, suavemente, voavam naquelas imediações. Logo quis saber se elas tinham algum ninho por ali. Porém, em pouco tempo, não mais as viu.

De repente alguém grita por seu nome. Ela, imediatamente, olha e se depara com a antiga colega de classe, que foi logo dizendo que o cabelo dela estava mal penteado e precisa de tinta. Passou-lhe até o nome da nova tinha vendida no mercado. Ela, porém, já se encontrando de mal humor, deu-lhe um “sim” mais ou menos. Não deu mais respostas e partiu na direção das escadarias da igreja.

Faltavam apenas dois minutos para o início da missa. Várias pessoas chegavam e junto a ela subiam felizes e conversando entre si pelos seis degraus da calçada. Na sacada final, encontrava-se o Padre Napoleão, juntamente com o mestre cerimonial, que se acompanhava por mais três coroinhas. Davam eles boas vindas e bom dia. Assim que terminavam as ditas palavras, os fiéis recebiam o folheto litúrgico.

Com o sorriso vago e meio irritante, Josélia agradecia. Quando o coroinha lhe entregou o folheto, este mesmo folheto caiu. O menino, vestido com os trajes cerimoniais, deu uma gargalhada. Foi o estopim para que ela disparasse expressões de baixo calão. Foi amparada pelo mestre cerimonial que lhe pediu desculpas pelo acontecido e lhe acompanhou até o melhor lugar dentro da igreja. Meio irritada com o acontecido, ela agradeceu, mas permaneceu de cara fechada por todo tempo.

O espaço físico encheu. Não tinha mais lugares. Tinham, sim, perto dela, duas vagas, porém, ninguém ousava importuná-la, pois poderia receber toda a raiva da infeliz.

A cerimônia transcorria perfeitamente. Quando o Padre Napoleão iniciou a homilia, ela sentou-se. Ficou calada. Colocou o folheto na gavetinha do banco e ouvia as expressões de conforto, de conselho e de fé. De vez em quando olhava para o relógio. Os minutos passavam e o Padre Napoleão não terminava de falar. Ela olhava mais vezes e sentia-se por seus movimentos que a irritação iniciava. Em determinado momento, ela levantou do banco e mostrou para o padre que ele já tinha falado muito. Com os dois dedos da mão direita, ela batia no relógio como se tivesse falando para que ele parasse de falar, porque já lhe irritava. Mais minutos e ela não conteve. Levantou-se mais uma vez e, em voz alta, pediu que ele terminasse, pois a impaciência lhe corria pelo corpo. Foi alvoroço geral. Ela, porém, permanecia de cara feia.

Finalizou a missa e ela sai apressada. Não foi para casa, mas direcionou ao restaurante central. Lá, aos domingos, era servida a fina e deliciosa feijoada, que se acompanhava pelas finíssimas couves e o angu da “Dona Joana”, a verdadeira e gratificante especialidade da casa.

Assim que chegou, foi logo exigindo o lugar bem próximo à janela, mas não conseguiu, pois a casa estava lotada e mal conseguia encontrar alguma mesa vaga. Xingou muito e até falou nomes feios. O casal de médicos cedeu gentilmente o lugar para que ela pudesse sentar. Agradeceu de cara feia e sentou-se. Demorou certo tempo para que o garçom viesse servi-la. Mais constrangimento, pois falou palavras de baixo calão ao serviçal e este não voltou para servi-la. A dona do estabelecimento foi quem levou a refeição até ela. Ouviu, silenciosamente, mas com toda a atenção, as reclamações. Rapidamente almoçou, pagou a conta e saiu.

Assim que deixou o estabelecimento, ela, rapidamente olhou para a região esquerda e viu Dona Luciana, antiga diretora da escola. Sempre, as duas tinham algumas brigas, pois os pensamentos e as doutrinas pedagógicas não se batiam entre as duas. Fez cara feia e ao mesmo tempo, com a mão direita, confeccionou o gesto obsceno para anciã. Esta, sem saber de nada, viu o ato e a ignorou. Sorte, porque se as duas cruzassem o mesmo caminho haveria briga.

Continuando a jornada, ouviu o alarme do aparelho celular. Marcava que ela teria reunião no clube da cidade, na organização sem fins lucrativos denominada “Clube das Viúvas”. Sendo que o clube estava à frente, entrou e foi logo sentando no lugar que lhe era reservado. Não durou muito, pois, na primeira discussão sobre algum assunto de interesse da organização, ela, imediatamente, propôs seus pensamentos. Algumas não concordaram e mais uma vez ela discutiu, brigou e saiu proferindo palavras de baixo calão.

Assim, passeando pelas ruas da cidade, naquela tarde quente, ela mantinha o mal humor. Criticava de outras pessoas e quase saiu no tapa com o varredor de ruas. Apareceu o policial e apartou a cena.

A noite chegou e ela, de cara feia, de mal humor e querendo brigas, foi adentrando à casa. Quis brigar consigo mesma e implicando com o penteado do cabelo, de alguns pelos no rosto e até da própria sombra.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 02/12/2022
Código do texto: T7663118
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