COPA DO MUNDO DO CATAR.

-"Os quatro adolescentes se reuniram a sombra da mangueira, após saírem da escola. O cair da tarde. Novembro de 2022. Treze dias para a abertura da copa do mundo no Catar. Samuel tirou o maço de figurinhas do bolso. A mochila de materiais escolares na calçada. Adoniran sorriu. Ajeitou os óculos. O albu6da copa na mão. -"Não tenho nenhuma lendária." Hércules mostrou seu álbum. -"Meu pai não queria comprar o álbum de capa dura, muito caro. Minha mãe ficou iradae disse que esse álbum é bobeira, dinheiro jogado fora." Um homem parou sua caminhada e ficou observando os garotos. Erik e Samuel jogavam bafo com suas figurinhas repetidas. Adoniran e Hércules conferiam suas listas de figurinhas faltantes. -"Na copa da Rússia pintamos a rua de verde e amarelo. Eu e meu pai." Disse Hércules. -"As cores e a camisa da seleção viraram símbolos bolsonaristas. Nessa copa, não vamos pintar. Tinta tá cara, pincel tá caro, figurinhas estão caras." O homem sorriu com o comentário de Hércules. Erik rapelou todas as trinta figurinhas de Samuel. -"Tem que fazer uma concha com a mão, garoto. Bate forte e levanta. É o ar que vira as figurinhas." Erik não gostou nadica das dicas daquele velho. -"Fica na rua, velho. Ganhei na lealdade." O homem ergueu as mãos. -"Desculpa, filho. Só estava ensinando o garoto. Na minha época, o álbum vinha de graça no jornal. As figurinhas vinham no chiclete e eram baratinhas. Tinha prêmio no álbum. A gente estudava os países participantes, as vezes a copa do mundo era matéria de escola." Samuel se interessou. -"O senhor já conheceu algum jogador? Já foi ao estádio?" Os olhos do homem brilharam. -"Sim. Fui ao Pacaembu ver o Santos de Pelé. Praticamente me criei no Maracanã. Os jogadores frequentavam bares e padarias da capital, pegavam ônibus e trens, não eram estrelas distantes como os craques de hoje. Eram pessoas comuns." Erick fechou o álbum. -"E o que acha dessa copa?" Perguntou o garoto. -"As copas mudaram muito. O Catar é longe, quente, sem tradição no futebol. Essa copa poderia cair melhor no Marrocos, Egito ou na Argelia. O Catar é fechado, tem leis estranhas, é....bem, muito homofóbico e rígido, entendem?! Não casa bem com a política de igualdade e respeito que os ideais do futebol defendem. Na minha visão. O país não tem tradição futebolística mas tem dinheiro, demais. Vai ser muito calor, os jogadores vão sofrer. Dezembro não é mês pra copa, pra mim tem que ser em junho. Nas construções dos estádios morreu muita, muitas gente. Operários do Nepal, da índia. Lamentável e absurdo. Não vou torcer tanto nessa copa por isso." Os garotos estavam boquiabertos. -"A gente podia pedir pra professora organizar um debate sobre a copa. Mandou bem, tio." Samuel cumprimentou o homem. -"Vai ser a última copa do Neymar, do Messi, do Modric e do Cristiano Ronaldo." Lembrou Hércules. -"Não vão os melhores, meninos." Erick gritou. -"Verdade, o Gabigol não foi. O Veiga também. O Tite é uma anta. Levou o velho Daniel Alves." Os outros riram. -"Vou indo, garotada. Fiquem com Deus. Curtam futebol mas com respeito." O homem ajeitou o boné. Samuel gritou. -"Qual o nome do senhor?!" O homem se virou. -"Gil. Meu apelido era búfalo Gil. Não desistam de seus sonhos. Estudem muito e serão vencedores na vida." Os garotos sorriram. Mais tarde, após o jantar, Samuel olhava o álbum da copa do mundo com seu pai. -"Um homem veio falar com a gente. Falou da copa do mundo. Foi legal." Renato folheava o álbum. -"Não é bom falar com estranhos. Deveriam ter saído de lá." O garoto não concordou. -"Foi de boa. Era uma pessoa do bem, sorridente. O nome dele era Gil, apelido búfalo Gil." Renato tossiu. A esposa trouxe-lhe um copo de água. Renato ligou o celular. O Google. -"Sério?! Vocês conversaram com o búfalo Gil?!" Samuel respondeu afirmativamente. -"Sim. Búfalo Gil." Renato mostrou as fotos ao filho. -"Aquele homem foi atacante da seleção na copa de 1978, na Argentina. Jogou no Fluminense, Botafogo e na Espanha. Renato mostrou alguns gols de Gil. Samuel estava encantado. -"Caraca. O velho era um tanque e tinha uma bomba nos pés." Renato estava feliz. -"Eu era fã do Gil, como meu pai." Samuel abraçou o pai. -"Apesar dos pesares, copa é copa. Vamos torcer mesmo assim." FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 20/11/2022
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