Osória

Lá estava ela andando pelas ruas da cidade no trajeto de destino a casa. Adorava se vestir e sentir importante. Algo bem contraditório quando era mais jovem ou desempregada.

Fazia gosto de assumir o compromisso de mensalmente ajudar os pais, mesmo que todo mês tirasse uma pequena parte do salário para lhe satisfazer emocionalmente. Cabelos, unhas, roupas ou qualquer coisa que melhorasse o seu autoestima, lá estava ela investindo e com gosto.

Nunca se preocupou com o que o povo pensou ou deixasse de pensar. Tinha consciência tranquila de onde andava e do que vivia.

As más línguas a condenava pelo traje. Não acreditava que o pobre também tinha o direito de progredir e dar o melhor a si.

Preconceito machista partia muitas vezes das próprias mulheres do bairro e rua. Algumas alegavam que todo o zelo de Osória, era para chamar a atenção dos homens e principalmente dos casados, a fim de destruir seus casamentos.

Que nada! Osória nem se abalava com aquilo. Sabia da lealdade de si ao grande amor da sua vida, Inocêncio.

Ignorava as calúnias, principalmente das mulheres, pois acreditara que no fundo, muito delas, eram refém de uma vida da qual jamais desejariam.

Osória era mulher independente, dona de si própria, fora da certeza de o amado estar consciente da sua lealdade.

Na frente, ninguém lhe atacava. Pois a mulher vanguarda tinha na ponta da língua a resposta eficaz: "Sou dona de mim. Sou independente".

O machismo do povo muitas vezes a colocava em risco. Era a última a perceber.

Numa certa noite, lá estava ela atravessando um beco de péssima iluminação. Algo que lhe fez refém de um mal feitor...

A atitude machista contra Osória não tinha dimensão das coisas, mas o machismo, o preconceito, o racismo, a calúnia e a difamação geram conflitos, casos de até mesmo de morte ou ações judiciais.

Lá foi ela, agora desta vez, tornando-se vítima de uma sociedade não conscientizadora dos fatos. Pois cada um vive ou anda como quer e sem a necessidade de ser vítima dos malfeitores.

Era uma noite qualquer, desta vez, noite silenciosa pelas ruas da cidade, quando já de trajeto pela casa, nada como uma roupa vulgar ou muito menos algo que notificasse um malandro qualquer que a desrespeitasse como mulher.

Do nada surgiu um homem de bicicleta. Já próximo, começou a cantá-la e importuná-la com assobios machistas “fiu-fiu”. De início ela procurou nem se importar, pois acreditara ser mais um homem safado, sem vergonha que logo, logo pegaria o rumo deixando-a em paz.

Que nada! Parecia persistente ao que estaria fazendo. Parecia forçá-la a atendê-lo ao seu desejo ardente. Que nada! Nada disto passava pela cabeça ou coração de Osória.

O único desejo que passara pela cabeça ou seu coração era a vontade de chegar a casa, tomar de um banho e um ótimo café, no mais tardar encontrar o amado da qual havia comprometidos de saírem juntos mais tarde.

O desejo da parte dela se transformou em pânico. Pois o importunado homem de bicicleta começara a trocar os assobios audaciosos por palavras incomodadoras. Sentiu-se medo. Vai que fosse um maníaco e viesse a lhe causar muito mais do que já estaria ao momento!

Osória acelerou os passos. Trocou de lado da rua da qual estava e lembrou de gritar alto e repetitivamente: fogo! fogo! fogo!

O suposto sem vergonha necessitou deixá-la em paz, pois os curiosos pelos gritos saíram à rua e justo nesse momento, aproveitou-se das companhias para despistar o otário.

Parecia assustada, mas a certa altura, aliviada. E se os curiosos não aparecessem? Que destino teria? Recebeu um copo de água doce. Bebeu e viu a necessidade de caminhar alguns passos a mais para chegar a casa.

O namorado ciente do fato logo surgiu para lhe atender. Rendeu longas conversas sobre o fato e a busca pelo suspeito.

Três dias depois, o suspeito foi encontrado e um boletim de ocorrência aplicado por assédio sexual. Assunto que rendeu longos dias, pois o homem da bicicleta era esposo de uma das mulheres que mais condenara Osória simplesmente pelo fato de amar se produzir e andar bem trajada.

Quem sabe se ao invés de lidar com a realidade de que o tipo de veste ou a maneira de a mulher se vestir, não dá o direito de qualquer homem assediar ou forçar palavras audaciosas às suas vítimas; o tal chefe de casa não necessitaria passar por isso?

Mulher bem-vestida e bem cuidada não é sinônimo de prostituição, muito menos de oportunidade para homens safados pensarem o que querem.

Quem ama se cuida e todos têm que se respeitar. Ainda que o bendito fruto acredite que não possa controlar o próprio lado machista.