Talento - BVIW
Escrevia. Começara timidamente com um conto. Dois. Três. E continuou escrevendo. Enviava seus escritos para concursos de literatura sem perder o bom ânimo. E nunca recebia sequer um terceiro lugar. Decidiu então mudar de gênero e enveredou pelo território do romance. Tinha economias guardadas, e dessa vez resolveu bancar o próprio sonho. Noite de autógrafos e a livraria estava cheia de amigos e parentes. Sorria incansavelmente para todos eles. E para as fotos que certamente publicaria no Instagram. E através dele foi conseguindo cada vez mais leitores. Vendeu toda a primeira tiragem e se considerou um sucesso, com alguma razão. O próximo passo seriam as feiras literárias. E depois, as mesas redondas para discorrer sobre o processo criativo. Afinal, seu livro estava provando ser um bom produto no mercado. Mas ambicionava mais. Ia entrar no terreno minado da poesia. Tinha certeza que também seria um sucesso como poeta. Experiência de vida não lhe faltava e uma certa habilidade com metáforas também. Escreveu seus primeiros versos, cortou palavras, mudou outras de lugar, pesquisou sinônimos. E com orgulho e uma certeza íntima do seu inegável talento, imprimiu o que considerava o mais bem feito. O crítico famoso estava sentado algumas cadeiras à frente no dia da palestra sobre poesia contemporânea. Alguém passou perto. Tomou coragem e pediu que entregasse o papel dobrado ao crítico, como fosse um bilhete. Viu a surpresa no rosto dele ao recebê-lo. A curiosidade ao abri-lo. E o absoluto desinteresse ao fazer do papel uma bolinha, e atirá-la na lixeira mais próxima.