Nosso tempo
— Por que estamos sentados aqui Michelle?
— Aguenta só mais um pouco, sente o tempo do sol e seus nuances de luz.
Ricardo olha no relógio e vê que está na hora do seu cigarro. Ela segura sua mão e diz baixinho em seus ouvidos enquanto descansa a cabeça em seu ombro.
— Você já percebeu que nossos tempos nunca vão se alinhar não mesmo?
— O tempo que precisa se alinhar é o seu meu amor, você acha que viver neste mundo é possível com essa mentalidade paz e amor?
— Viu só, já está até perdendo a paciência comigo, porque não me deixa de uma vez aqui com o meu sol.
— Eu te amo Mi, só acho que você tem um potencial enorme que está sendo desperdiçado por essa tua teimosia.
— Não é teimosia, isso se chama desapego, você acha que vai levar esse seu Rolex quando for embora deste mundo?
— Ainda somos novos para estar pensando nisso. O que sei, é que tenho o agora, e neste agora quero desfrutar de minha vida, ter minhas comodidades.
— Trabalhando 18 horas por dia?
— Estamos aqui, não estamos? Nesta praia paradisíaca, vendo o seu sol graças a essas horas que invisto no meu dia.
Michele tirou a cabeça do ombro e se sentou mais para frente, ficando de costas para Ricardo.
— Te proponho o seguinte — disse Ricardo alisando as costas bronzeadas de Michelle — Preciso apenas de mais 2 anos de trabalho intenso, depois disso vamos tirar umas férias longas e prometo esquecer o meu relógio, minha agenda e as redes sociais.
— Você não aguentaria nem um dia, ou melhor, eu não te aguentaria. Sabe, acho que no fim preciso deste seu contraste, talvez seja meu fio condutor com o que restou de mim no sistema. Ainda tenho medo de me largar para talvez um dia viver o verdadeiro nirvana.
— Quantas pessoas você conhece que atingiram esse estado? Eu sinceramente acho que tudo isso é papo para vender livro.
— Você não pode opinar sem ter provado a meditação do guru Kim, realmente muda sua vida.
— Isso não tenho dúvidas, porque para fazer uma das maiores fotografas do mundo largar tudo para morar em um bairro simples, tem que ser algo poderoso realmente.
— Como disse, você tem que viver a experiência para poder entender, tudo passa por adquirir a verdadeira visão, ali, por exemplo, o que vê?
— Um garoto construindo um castelo de areia muito perto da água, coitado, em breve verá seu esforço sendo levado pelas águas.
— Errado, senhor sabe tudo, ali está a manifestação de gerações de homens e mulheres que sonharam e deixaram sua energia nessa terra para que esse garoto esteja aí. O mais importante é que todos seus ancestrais o acompanham, cuidando suas costas e torcendo que ele possa acertar onde todos os outros erraram.
Ricardo ficou parado olhando o garoto como que tentando ver o que Michelle estava vendo.
— Você não vai conseguir ver apenas olhando, é preciso estar conectado com seu verdadeiro ser para poder ver o outro mundo.
— Você jura que consegue ver esses fantasmas?
— Atrás de você tem dois agora e um deles é um cachorro preto com uma gravata vermelha.
Ricardo saltou e disse impressionado.
— Como você sabe do Charles? Eu nunca falei dele para ninguém.
— Estou te falando que o guru não é coisa de fantasia, vamos comigo na próxima reunião e você vai aprender a ver também.
— Não sei se quero “ver” essas coisas.
— A verdadeira pergunta é, você quer continuar renascendo neste mundo em formas cada vez mais inferiores, tendo que trabalhar coisas que já podiam ser resolvidas com um pouco menos de teimosia e expansão da mente?
Ficaram em silêncio por um longo tempo enquanto o sol se despedia, o único som era apenas o de suas respirações e suas formas pensamentos se chocando no astral, mas este ruido apenas Charles podia escutar.