Central de Atendimento

Não era muito que queria. Apenas uma informação acerca de seu telefone celular. Aproveitou que estava começando seu horário de almoço, para fazer isso. Acabara de adquirir o aparelho que era último lançamento. Tinha câmera fotográfica, acesso à internet, filmava agenda para mil nomes, chip de memória, até dava para falar com ele. Ligou para o numero da operadora, mal sabia que ali começava um transtorno infernal. Assim que completou a chamada, já entrou uma gravação com voz feminina. “Boa tarde! Bem vindo a central de atendimento Parcell. Se você já é cliente digite dois, se ainda não é nosso cliente digite três”. Digitou o numero dois, ainda achando estranho, se aquele é um numero para ligar só do seu aparelho, num contato mais direto com a operadora, porque ainda duvidavam se era cliente. “Agora digite o numero com dois dígitos do seu código ddd, seguido pelo numero do telefone celular, ao qual deseja atendimento”. Ainda bem que tinha anotado o numero num papel, tinha comprado no dia anterior, era seu primeiro celular, achava um pouco demais ser encontrado a qualquer instante. Pronto digitou. Começa então a tocar uma música insuportável.

Minutos mais tarde outra gravação. “Para cadastrar seu telefone á cartão digite 1. Para bloqueio e desbloqueio por perda ou roubo, digite dois. Para conta telefônica, bônus do mês ou saldo, digite três. Cadastrar dois números para ligações a cinco centavos o minuto, digite quatro. Cadastrar outro celular para compartilhar minutos, digite cinco. Assistência técnica ou solucionar problemas com o celular, digite seis. Compra de aparelhos, acessórios e serviços, digite sete. Promoções, digite oito. Para falar com um de nossos consultores, digite nove. Para encerrar, digite zero, ou desligue.”

Ainda estava se atrapalhando com o aparelho. Ainda bem que vinha com um fone de ouvido. Conectou-o e foi fazer seu almoço, tentando falar com um atendente. Digitou nove. “Aguarde mais uns instantes, estamos transferindo sua chamada para um de nossos consultores”. Ouviu o som de um ambiente agitado, com pessoas falando misturado, ele quase não entendia. Mais uma gravação. “No momento nossas posições estão ocupadas. Aguarde mais alguns instantes que um de nossos consultores irá atendê-lo”. E novamente começou a maldita música. De vez em quando uma gravação repetia. “Sua ligação é muito importante para nós, por favor, aguarde mais alguns minutos que um de nossos atendentes irá atendê-lo”.

Acabou o almoço. Passara de vinte minutos e ainda não tinha sido atendido. Caminhou á passos lentos pelo pátio da empresa em que trabalhava. Era uma indústria fumageira, que designava uma imensa área verde para seus funcionários. Achava isso necessário, porém, hipócrita. Uma empresa destinada a produzir cigarro, causador de tantas mortes mundo afora. Acendeu um cigarro, começara a fumar com mais de quarenta anos, depois que arrumara este emprego, passava oito horas do dia ingerindo fumaça e ar poluído com nicotina, bastou entrar em férias para sentir falta do fumo. Ao que se submetia um ser humano, não estudara, agora se resignava, era só o que lhe restara, além da música lhe entrando no ouvido.

Estirou-se num banco de madeira sob as árvores, corria um vento suave. Quase dormia, quando meia-hora mais tarde uma voz feminina o despertou.

- Parcell, Janaina Souza, Boa tarde! Com quem falo por gentileza?

Pelo sotaque percebeu ser uma carioca.

- Sou João.

- Em que posso estar ajudando?

- Eu acabei de comprar este telefone moderno, e queria acessar a internet.

- Sistema GPRS, EDGE ou CSD?

- Sei lá. Eu só quero ver como funciona esta tal internet pelo telefone.

- Bem, seu João, para poder estar lhe atendendo, eu preciso confirmar uns dados. Para sua segurança nossa conversa passa a ser gravada.

Ele respondia na medida das perguntas. Nome completo, CPF, RG, endereço, data de nascimento, endereço, CEP, entre outros. Por quase dez minutos, travou-se uma batalha verbal pelo telefone. A moça tentando explicar como era cada um dos sistemas de navegação da WAP, e ele perguntando tudo de novo. Acabou optando pelo CSD, que era mais seguro, apesar de ser mais caro.

- Ok! Agora que o senhor definiu seu sistema de acesso, eu vou pedir que o senhor aguarde mais um instante, que vou estar verificando o sistema da área em que o senhor se encontra.

Cinco minutos mais tarde, depois de outro porre de música de espera, a moça retornou á ativa.

- Senhor João, desculpe a demora, o sistema que o senhor pediu não está disponível na sua área, por isso peço que o senhor aguarde mais um pouco que vou estar lhe transferindo para a área responsável. Obrigado e tenha um bom dia!

Mais música. Queria sugerir para trocarem à trilha de espera, sabe-se lá, um repertório mais vasto, para não enojar o ouvinte, ainda mais depois de quase duas horas de espera. Trocou o fone de ouvido, avisou o colega que não voltaria para o turno da tarde, precisava resolver o caso ainda hoje. Era só uma simples informação, poderia ter pedido para seu sobrinho de oito anos que tinha um telefone igual a este. Olhou o relógio, eram duas horas e quinze minutos. Um vento um pouco mais forte purificou um pouco apenas o ar, não o suficiente para acabar com aquele odor de fumo. Apagou o cigarro e já ia desligar quando uma voz, agora masculina e com sotaque nordestino, atendeu.

- Parcell, Jonas Leonardo da Costa, com quem falo por gentileza?

- Com o João.

- Em que posso estar lhe ajudando seu João?

- É o seguinte...

E ali se foi até esclarecer as dúvidas, tarefa árdua para o atendente, mais quinze minutos. Muito bem explicado, o atendente, ainda aturdido com tanta dificuldade para se fazer entender, perdido nos seus pensamentos, pediu um tempo para fazer umas averiguações no sistema. Deitou-se outra vez no banco sob as árvores. O cheiro de fumo estava cada vez mais insuportável. Acendeu outro cigarro, e passou a curtir a música, que á essa altura da tarde, já era sua preferida. Passava das três horas da à tarde quando ouviu a voz do atendente.

- Seu João, desculpe a demora. Pelo que pude estar averiguando aqui no sistema, este seu telefone não esta configurado corretamente. Eu peço para o senhor aguardar mais alguns instantes que vou ver o que poderemos estar fazendo para resolver seu problema.

Mais quinze minutos daquela música modorrenta, quase dormia quando o atendente retornou á linha.

- Senhor João, por acaso o senhor está próximo de um telefone fixo ou tem outro celular á mão?

- Sim.

Olhou para sua esquerda, e avistou um telefone público que fora instalado para eventuais ligações dos funcionários, mas que nos últimos anos estava perdendo espaço rapidamente para os celulares.

- Então eu pedirei que o senhor nos retorne a ligação através deste aparelho para que um de nossos consultores venha a estar lhe auxiliando nesta configuração. Anote o número...

Desligou levantando da sua cadeira de atendimento, desligou seus aparelhos, depois desta pediria demissão, tudo nesta vida há limite. Poderia ser ele o próximo a atender este louco, era quase improvável ser o azarado, mas quem duvidaria? Tudo era possível. Enquanto isso no orelhão, João, lutava contra os números até acertar a ligação. Recomeçava o tormento. “Boa tarde! Bem vindo a central de atendimento Parcell. Se você já é cliente, digite dois, se ainda não é nosso cliente, digite três”. Digitou o numero dois. “Agora digite o numero com dois dígitos do seu código ddd, seguido pelo numero do telefone celular, ao qual deseja atendimento”. Pronto digitou. Começa então a tocar uma música insuportável. Digitou nove. “Aguarde mais uns instantes, estamos transferindo sua chamada para um de nossos consultores”.

Desta vez não tardaram muito á atender.

- Parcell, Caroline Vieira, Boa Tarde! Com quem falo por gentileza?

- João.

- Em que posso ajudá-lo?

- Tenho que fazer uma configuração no aparelho para acesso á internet.

- Para que possamos efetuar estas configurações será necessário que o senhor me confirme alguns dados.

Ele respondia na medida das perguntas. Nome completo, CPF, RG, endereço, data de nascimento, endereço, CEP, entre outros.

- Para sua segurança esta conversa passa a ser gravada. Qual é sua duvida?

Depois de explicado, ela pediu para que ele aguardasse mais alguns instantes e demorou-se cerca de dez minutos, deixando-o na companhia na trilha musical da sua tarde de terror.

- Seu João, desculpe a demora, pelo que pude avaliar no seu pedido eu preciso saber marca e modelo do seu aparelho.

Depois da resposta, a moça pediu mais um tempo. Cinco minutos depois ela retorna.

- Seu João, desculpe a demora, pelos dados do seu aparelho, devia estar tudo já programado. Então vou estar lhe transferindo para o setor especializado nestes procedimentos. Obrigado e boa tarde.

Ouviu um telefone chamando. Depois entrou a música. Mais seis minutos. Olhou para o relógio, eram quase quatro horas de tarde. Perdera uma tarde de serviço, poderia ter ido á uma loja, certamente já teria voltado.

- Parcell, João Augusto Prietto, boa tarde! Com quem falo por gentileza?

- João.

- Em que posso ajudá-lo, Seu João?

- Eu preciso fazer uma programação do meu telefone para acesso á internet.

- Muito bem. A partir deste momento nossa conversa passa a ser gravada para sua segurança. O senhor precisa me confirmar alguns dados para que eu possa estar lhe ajudando.

Novamente ele respondeu na medida das perguntas. Nome completo, CPF, RG, endereço, data de nascimento, endereço, CEP, entre outros. Já tinha decorado os números de seus documentos.

- Tudo bem. Qual marca e modelo do seu aparelho?

Depois de mais de meia-hora de tentativas, finalmente os dois se entenderam. Estava se sentindo tão intimo de seu interlocutor, como se há anos fossem colegas de trabalho, ao contrario pensava o atendente.

- Desligue seu telefone e ligue de novo. Ok!

Feitas as devidas instruções não foi possível ainda acessar a WAP. Deixando ambos frustrados. Passava das quatro e meia da tarde. Desligou o telefone. Caminhou a passos lentos para o vestiário, pegaria suas coisas tiraria o uniforme. Sem mais esperanças de arrumar este telefone, resolveu cancelar sua conta. Ligou do próprio aparelho, colocou o fone de ouvido. E recomeçou a árdua tarefa. “Boa tarde! Bem vindo a central de atendimento Parcell. Se você já é cliente, digite dois, se ainda não é nosso cliente, digite três”. Digitou o numero dois. “Agora digite o numero com dois dígitos do seu código ddd, seguido pelo numero do telefone celular, ao qual deseja atendimento”. Mais um porre. “Para cadastrar seu telefone á cartão digite 1. Para bloqueio e desbloqueio por perda ou roubo, digite dois. Para conta telefônica, bônus do mês ou saldo, digite três. Cadastrar dois números para ligações a cinco centavos o minuto, digite quatro. Cadastrar outro celular para compartilhar minutos, digite cinco. Assistência técnica ou solucionar problemas com o celular, digite seis. Compra de aparelhos, acessórios e serviços, digite sete. Promoções, digite oito. Para falar com um de nossos consultores, digite nove. Para encerrar, digite zero, ou desligue.”

Embora sua vontade fosse digitar zero ou desligar, teclou nove. Entrou no vestiário, enquanto tocava a música insuportável. Devia ser uma espécie de teste de resistência psicológica, ou alguma coisa semelhante.

- Parcell, Priscila Novaes, Boa tarde! Com quem falo, por gentileza?

- João.

- Em que posso ajudar?

- Aguarde só uns instantes.

Agora ele se vingaria. Tomou um banho de quase cinco minutos, secou-se demoradamente, depois se vestiu e foi atender ao telefone. Sentia-se um pouco vingado, deixara a atendente por mais de dez minutos em espera.

- Desculpe a demora. Gostou da música?

Impaciente a moça no outro lado da linha fez-se de desentendida.

- Pronto senhor, em que posso estar lhe ajudando?

- Eu queria cancelar minha conta telefônica.

- Qual o numero de seu telefone com ddd, senhor? Ok! Aqui mostra que o senhor ativou esta conta ontem. Por que motivo o senhor quer desativá-la?

- Não consigo fazer o que quero com este maldito telefone.

- Qual a reclamação, senhor?

- Não consigo acessar a internet.

- Bom neste caso poderemos estar fazendo uma reconfiguração no seu aparelho.

- Nem pense nisso. Simplesmente cancele esta maldita conta.

- Senhor para isso será preciso que nos apresente uma justificativa plausível.

- Esta merda não presta. Não lhe parece uma justificativa e tanto?

- O Senhor poderia passar esta linha para alguém da sua família, um amigo ou colega.

- Está doida? Como vou dar um desprazer destes para um amigo, se ainda fosse um inimigo. Cancela e pronto.

- Bem o senhor vai ter que pagar uma multa referente aos meses que o senhor tem de contrato com a nossa operadora.

- Eu não quero este telefone!!!

- Então o senhor paga a multa e cancela simples assim.

- Está bem, minha senhora, como eu faço para cancelar este negócio?

- O senhor mora em que cidade?

- Pó! Mais esta? Olha aí no meu cadastro!

- Ahãn! Muito bem, o senhor se dirige em horário comercial até nossa loja na rua...

- Minha senhora, eu trabalho o dia inteiro, não tem uma maneira mais simples?

- Senhor esta é a única chance. O senhor terá que pagar uma multa de...

As pessoas na rua não acreditaram no que viam. Um aparelho celular de ultima geração, passou voando e se esborrachou na parede, ainda no chão marcou dezoito horas e apagou.

Conto VII

12:00hs

J B Ziegler
Enviado por J B Ziegler em 04/12/2007
Código do texto: T764131
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