Adriano e o sistema epistêmico
Em uma manhã qualquer de sábado na vila do Paranoá, Leonardo, Evandro e Michael resolveram visitar um velho amigo: Adriano. Os três, quando as sós, repetiam escandalosamente, aos berros felizes, "Adriano, o chato". Diziam que o amigo gostava de explicar o inexplicável e, ainda, persistia em certos erros. Assim diziam os três companheiros. Em outras palavras, o caminho até a casa de Adriano, seria a base de piadas e palpites de como seria o comportamento dele antes de chegarem. Michael dizia:
--- É doido é... Temos que parar com essas brincadeiras, deixa o cara falar as coisas dele.
Evandro e Leonardo sorriam igual a duas crianças.
Os três amigos refletiam muito o povo daquela ambientação do vilarejo, o qual omiti pela brevidade. Um povo rancoroso, arrogante pela natureza, simpatizantes aos ilícitos e por ai segue a contagem infinita. Mas eles apenas refletiam, não eram tanto. A amizade ainda trazia algumas ardências em seus peitos, tornando-os mais quentes, vivos e otimistas. A imprudência dentro dos relacionamentos, sejam amizades ou namoricos, é genuinamente humano. Ora, a prudência não pôde sobreviver sem o seu prefixo. Os quatro amigos, apesar disso tudo, sempre puseram a fidelidade acima de tudo. E outra, eles não esperavam serem confundidos por um Adriano sagaz e domado pelo relativismo, trazendo uma bendita palavrinha tão confusa quanto as brigas ideológicas as quais acercavam um Brasil vago de consciência mas polarizado.
Ao chegarem à casa do amigo, Evandro, que dirigia seu ixs 35, com Leonardo e Michael de passageiros, estacionou em frente ao portão de Adriano. O dono do carro, conhecendo a demora de Adriano para aparecer, logo aperta a buzina nervosamente. O amigo, dono da casa, aparece no portão.
Adriano surge e impressiona os amigos. Não estava vestido como era de hábito: short curto, tão vulgar quanto certas criaturas noturnas, barba malfeita, expondo restos de comida e trajando uma camisa com manchas de melecas. Pelo contrário, Adriano, sagaz sem saber, ou sabendo, contradiz o pensamento uno dos amigos. Ele vestia sapatos sociais, calça jeans escura, uma camisa flanela felpuda com uma camisa por d'baixo com a imagem da terra sendo observada por um homem com seu telescópio, ao lado deste homem havia um outro segurando uma bíblia, parecia estar discursando ao rapaz. Sem dúvida, sem elegância, mas também, sem vulgaridade, Adriano surpreende seus amigos.
Sem dá tempo aos amigos de cumprimentá-lo, Adriano logo diz:
--- Olá, camaradas. Sinto muito, mas vieram sem avisar, estou de saída--- diz Adriano suavemente. Evandro, estranhando o comportamento do amigo, pergunta:
--- Para onde vai vestido assim?
--- Ora, irei para uma conferência a respeito do pronome neutro. Meu sobrinho, ao lado de suas amigas, criaram um grupo chamado "Queride e fodes", e eles só falam nessa linguagem por lá. Não que eu concorde com isso, mas faço companhia.
Os três amigos entreolharam-se, espantavam-se. Como poderiam crer que um amigo tão crítico às loucuras implantadas em nosso cotidiano, poderia estar fazendo parte disso? Sem dar tempo de mais perguntas, Adriano diz, sorrindo:
--- Claro que não estou indo para nenhuma conferência sobre pronome neutro. Na verdade irei para uma palestra sobre o sistema epistêmico.
--- Já ouvi falar sobre epistemologia durante minha disciplina em filosofia da educação--- responde Léo com certa relutância. Ouvira a respeito do termo, mas não compreendia seu sentido de fato.
--- É justamente isso. Eu também não entendo muito sobre as nuances do termo, mas por meio do senhor Paul Boghossian, consegui compreender algumas características. Por exemplo, podemos dizer que o sistema epistêmico do grupo do pronome neutro seja diferente do nosso. Claro, é um exemplo fajuto, pois eles não nasceram com esse sistema, apenas se forçam a ele. Porém, usarei um exemplo fictício.
Naquele momento, às dez e trinta e quatro, os raios de sol perfuravam as nuvens, derramando sua luz aquecida no rosto de Adriano, tornando-o, naquele momento, mais limpo e dando um aspecto de iluminado durante a explicação. Antes de dar início, Adriano aprumou-se, então começou:
--- Vamos imaginar dois lugares o A e o B, ambos compostos por seres humanos. O A diz que os porcos voam, vivem em galhos das árvores cantarolando; por outro lado, o B acha isso um absurdo, para eles porcos não voam, mas, sim, os pássaros. Desta forma, B afirma que A está errado. Então aqui entra o sistema epistêmico...--- Adriano deu uma pausa em suas explicações e, com os olhos oblíquos, perseguiu uma jovem moça que atravessava sua rua. Depois recobrou a consciência, dando continuidade ao que fazia --- O sistema de A diz que os porcos voam, pois chamavam a espécie que voa por esse nome, as mesmas avistadas em B, que por sinal referem-se a elas como pássaros. Podemos ir mais longe. Pense em um cientista qualquer morto há séculos atrás apenas por dizer que a terra é quem gira ao redor do sol, não o contrário. Pois bem, o sistema epistêmico daquela época, a sua experiência, acreditava na terra como centro e o sol quem girava. Hoje nosso sistema acredita nos cientistas quaisquer. Há alguns filósofos dizendo que nenhum sistema epistêmico é absoluto; ou seja, por que seriamos os verdadeiros a partir de nossas experiências contra a dos outros lugares?
Nesse ínterim, as nuvens apressadas faziam a luz solar mesclar, tornando uma tarde típica da pequena vila do Paranoá. Os golpes de ar frescos, disparados contra os quatro amigos, suavizava aquele magnífico dia. Léo, aproveitando o embalo dos ventos, perguntou:
--- Isso não poderia nos levar ao relativismo, Adriano?
Adriano, fazendo bico, pensativo, sem muitos entusiasmos com a pergunta, respondeu cuidadosamente:
--- Tudo que eu disse pareceu relativismo da palavra, ou o que podemos encontrar pesquisando um pouco mais. Só não posso deixar que obstruem minha mente. Para ser franco com vocês, amigos, ainda não compreendo muito bem sobre o sistema epistêmico, preciso estudar mais. Então, já que vieram até aqui, acompanharam-me, peço-lhes que aguardem algo mais elaborado e aprofundado. Prometo ser mais compreensível. Agora preciso ir. Até mais.
Adriano nem cogitou na carona que Evandro poderia ter-lhe oferecido, apressou-se. Sempre fora visto pelos amigos como um relativista genuíno, mesmo sem ter estudado nomes importantes do relativismo. Ele possuía a expertise, ganhava argumentos sendo um relativista. Em certa ocasião, perambulando pelo mundo virtual, encontrou um filósofo, Paul Boghossian, o qual fala sobre relativismo, construtivismo e sistemas epistêmicos; de cara, Adriano, resolveu adentrar nesses estudos. Nesse momento, apenas acompanhando palestras e lendo um livro, de forma lenta pelo teor denso da leitura, o inteligente rapaz apenas está começando sua nobre jornada.
O senhor Carvalho, um conhecido dos sentimentos intangíveis, aconselha Adriano a não ser um relativista, mas um opositor.