Pequenas histórias 287
Combinado então
- Combinado, então?
- Sim, combinado, há sete horas na porta do cinema.
- Tchau.
- Tchau.
Assim se despediram ao sair da quadra do Colégio Normal. Logo Edu foi rodeado pelos amigos ansiosos para saberem.
- E então? – perguntou Xavier.
- Vão se encontrar amanhã? – indagou o Japonês.
- Vocês vão ao cinema? – quis saber o Rafael.
- Calma pessoal! Parece que são vocês que estão marcando um encontro e não eu. Sim, vou vê-la amanhã e vamos ao cinema, porque tanta curiosidade?
- Por nada, não, apenas por saber. – disse Xavier.
- É que gostamos de saber que o amigo está namorando.
- E que logo se esquecerá da gente.
- Larga de serem bobos. Vamos tomar uma cerveja e vamos embora que já está tarde.
- Falou e disse. – respondeu Xavier
Enquanto caminhava para casa, Edu foi rememorando a noite maravilhosa, que para ele fora, se para ela não fora não deixou transparecer. Mas acredita que tenha sido. No momento em que entrou na quadra do Ginásio Normal, a primeira pessoa que viu foi ela junto com as amigas. Ela também o percebera e, ao mesmo tempo, se afastara das amigas como se dissesse:
- Quero falar com você. Estou à espera.
Edu fez um gesto de: logo estarei junto a você. E se dirigiu aos amigos. Cumprimentou todos, e logo em seguida se afastou. Ao se defrontar com ela, sentiu os nervos escondidos tremerem. Procurou agir espontaneamente o mais possível para que ela não notasse o nervosismo.
- Olá!
- Oi.
- Como está?
- Bem, e você?
- Bom... Estou bem, meu nome é Eduardo, os amigos me chamam de Edu.
- Prazer, Edu... Posso chamá-lo de Edu?
- Claro que sim.
- Prazer, Edu, sou a Marta.
- Puxa! Nome bonito.
- Que isso? Sinceramente não gosto.
- Por quê?
- Marta... Não tem pelo de marta?
- Sim, tem.
- É, acontece que não sou pelo, entende.
- Bom vamos dizer que entendo.
Edu notou o gelo se quebrar. Tornaram-se mais íntimo. Foi como se conhecessem por longa data. Diante de Marta, Edu encontrou a desinibição, a leveza de se sentir bem. Por sua vez, Marta achava que estava escorregando num plano liso onde era impossível se segurar. Mesmo assim, deixou-se levar.
Não mais prestavam atenção ao jogo que se desenrolava na quadra e, por sua vez, Edu não percebia os olhares cochichados dos amigos em sua direção. Para os dois não existia mais nada, apenas eles naquela noite imemorável.
No escuro do cinema, a língua de ambos se encontrava numa frenética busca de sentir o gosto de uma e de outra. Edu, assim como Marta, se entregava no desejo queimando os dois. Saboreando a bala ganha dos amigos:
- Um presente nosso para vocês – dissera o Japonês -, dividiam o sabor adocicado da paixão envolvendo-os em gestos lentos e ousado. A bala dançava de uma boca para outra num bailado de carinho úmido ao sabor de línguas sedosas.
- O que foi – perguntou Marta quando Edu se afastou um pouco dela.
- Nada. Não sei, essa bala parece que tem um sabor esquisito.
- Impressão sua.
- É pode ser.
E continuaram no jogo de entrega de carinho um para outro.
- Essa bala está mesmo esquisita – disse Marta.
- Jogue fora.
Marta inclinou o corpo para frente e cuspiu a bala que rolou no chão escuro do cinema indo parar num dos cantos da cadeira. Depois disso, esqueceram a bala e passaram a prestar atenção no filme. Vinte ou sessenta minutos depois, assim que as luzes se acenderam, Marta ao ver Eduardo e logo seguida a si mesma, deu um grito desesperado de raiva. Por sua vez, Eduardo, também vendo Marta soltou não um grito, mas um urro do que propriamente um grito esbravejando:
- Filha da puta, o que fizeram! Me pagam.
Tanto Marta como Eduardo estava com o rosto, a boca, a testa, o pescoço, os cabelos, a camisa, o vestido, as mãos de ambos, com longas manchas de verde. Enfurecida Marta saiu correndo empurrando os que saiam. Eduardo foi atrás. Alcançou-a no meio da rua.
- Marta, espere...
- Me largue, rilhou os dentes.
- Foi uma brincadeira, espere...
Num giro rápido, ao mesmo tempo em que Eduardo puxava Marta pelo braço esquerdo, a mão aberta de Marta acertou em cheio o rosto de Eduardo. Largando o braço de Marta que, correndo desapareceu no tempo, Eduardo se virou para os amigos que se aproximavam.
- Quem foi o filho da puta que teve essa merda de ideia? – berrou pegando o Japonês pelo colarinho da camisa.
- A ideia não foi minha. – respondeu o Japonês.
- E de quem foi à ideia?
Nisso a voz de Xavier soou as suas costas.
- Uau! Deu uns amasso gostoso hein!
Nem bem terminara de falar, Xavier sentiu a mão fechada de Eduardo bater em seu rosto, fazendo-o cuspir três dentes empapados de sangue. O corpo de Xavier foi jogado em cima do capo de um carro, para logo em seguida, escorregar e bater com a cabeça no paralelepípedo da rua coalhando seus cabelos pretos de sangue.
Extático, sem saber o que fazer, vendo o amigo caído numa poça de sangue, Eduardo deu meia volta e sumiu na poeira do tempo.
Vinte dias depois, Xavier procurava pelo amigo. Na secretária da escola lhe disseram que ele tinha trancado a matrícula. Na torrefação de café, já fazia vinte dias que não aparecia. Na casa onde morava a vizinha disse que ele tinha mudado para outra cidade, talvez voltado para Rio Claro.
Semanas depois, os três amigos contemplavam a praça silenciosa. Oito horas da noite, o coreto vazio, o alto falante mudo, apenas os três apreciavam a solidão da praça outrora movimentada.
- Pirassununga já é a mesma.
- Há muito tempo deixou de ser aquela Pirassununga que nós conhecíamos. – disse Xavier.
- Vamos lá, tomemos a nossa última cerveja.