Relacionamento.com (Parte três)
Nota do autor: É recomendada a leitura das partes anteriores para a compreensão do texto a seguir...
Lisa pôs-se a fitar o horizonte enquanto sentia a água fria de uma marola perseverante cobrir seus pés e em seguida desnudá-los novamente. Observava a pequena embarcação que atravessava lentamente de uma à outra extremidade. Sobre sua cabeça, um bando de aves marinhas indicava que havia um cardume nas proximidades. Erguendo os olhos, viu quando uma das aves mergulhou furiosamente, desaparecendo por angustiosos segundos e, em seguida, reaparecendo com sua recompensa no bico. Outras aves também fizeram o mesmo, conquanto nem todas tivessem a mesma sorte. Boa parte delas, a maioria talvez, retornava de seu repentino mergulho sem nada trazer consigo. A persistência, todavia, terminava por conferir a cada uma o prêmio dado aos que não desistem.
Durante algum tempo, enquanto observava as aves e as ondas orgulhosas que quebravam-se diante de seus olhos, ela pôde esquecer o motivo pelo qual estava em pé na beirada daquela praia. Mas, ao olhar para o lado, viu um casal de sarados que vinha em sua direção correndo na areia. Imediatamente o sentimento de solidão subtraiu sua paz momentânea e trouxe consigo a tristeza dos rejeitados. Era como sentia-se agora, rejeitada. Por mais que dissesse a si mesma que era linda e se amava a despeito de qualquer coisa, não eram esses os sentimentos prevalentes em seu coração naquele momento e lugar.
"Você não precisa de ninguém para ser feliz, Lisa! Não perdeu nada hoje! Ele perdeu, não você!” Dizia a si mesma, num tom que misturava uma convicção duvidosa com desespero.
O cenário também não estava ajudando. Uma família feliz construía um castelo de areia ali perto; um homem e uma mulher, ambos usando viseiras de certa grife cuja logo lembra uma vírgula, jogavam frescobol; um casal deitado numa enorme toalha verde e amarela beijava-se apaixonadamente, enquanto outro casal fazia inúmeras selfies, provavelmente para postar nas redes sociais. Ela pegou o telefone e fez uma ligação.
— Lisa? – disse a voz do outro lado. Havia preocupação em seu tom. – Não deveria estar num encontro?
— Ele não apareceu, Laura... – sua voz embargou ao responder.
— Lisa, calma! Lembra de tudo o que conversamos ontem? – Laura estava realmente preocupada e isso era compreensível. Fazer aquela mulher voltar a ter alguma confiança em si, depois de tudo o que ela passou com o ex-marido, foi uma tarefa árdua e demandou tempo e dedicação.
— Sim, lembro perfeitamente, Laura... Mas a diferença entre conhecer o caminho e percorrê-lo se torna sempre mais evidente em situações como esta, não é?
— Sei disso, Lisa! Por isso gostaria que pegasse um espelho agora mesmo e dissesse para a pessoa refletida nele o quanto a ama e quão maravilhosa é essa pessoa!
— Não há um espelho em qualquer lugar por aqui, Laura! Apenas pessoas felizes e sorridentes pra todo lado!
— Por favor, Elisabeth, não faça isso! – Laura a chamou pelo nome – Sabe que ainda pode ter uma linda família também.
— Como posso saber disso, Laura? Aliás, como você pode saber disso? A vida real é diferente dos contos de fadas. Não tenho uma fada madrinha.
— Não precisa de uma, Elisabeth! É uma mulher extraordinariamente forte, bonita e decidida, lembra?
As palavras de Laura naquele momento serviram como uma chave que abria o "Departamento da razão" na cabeça de Lisa, ao mesmo tempo em que encostava a porta do "Departamento da emoção". Como se despertasse de um sono, num repentino momento de lucidez, Lisa fechou os olhos, respirou fundo e em seguida deu um longo suspiro.
— Desculpe, Laura! Você tem razão. Já enfrentei coisas piores que um encontrozinho mal sucedido. Acho que me deixei levar pela... – ela ainda falava quando foi interrompida por uma voz a chamar seu nome ao mesmo tempo em que uma mão tocou-lhe o ombro.
— Lisa? – disse a pessoa.
Seu pescoço girou imediatamente ao ouvir aquela voz familiar.
— Perdão, mas não lembro de onde o conheço! – disse ela, encarando-o, confusa. A voz era idêntica a de alguém que conhecia, mas jamais vira aquela pessoa na vida.
— Sou o Max! – ele respondeu. Estava visivelmente nervoso e ruborizado.
— M...Max?! Maximiliano? – ela estava incrédula.
— Sou... muito... diferente? – o sorriso dele transbordava vergonha.
— Bem, já que aparentemente tem dúvidas quanto a isso, olhe você mesmo e então diga-me! – ela mostrou uma foto dele no telefone. O tom ácido denunciava seu estado de espírito naquele momento.
Laura estava preocupada. Não sabia se devia desligar ou permanecer na linha. Decidiu aguardar para ter certeza de que sua paciente estaria bem no final de toda aquela confusão. Houve um silêncio constrangedor durante alguns segundos que pareceram intermináveis. A pessoa na fotografia era, de fato, absurdamente diferente da que estava ali presente. Ao que parecia, ele tinha feito uso de algum recurso para manipular não apenas a foto em questão, mas também as outras que ela viu no tal aplicativo em que eles se conheceram. A imagem "digital" de Max era desprovida de quaisquer daquelas características típicas de alguém com quarenta anos. Não havia rugas, pés de galinhas, olheiras ou quaisquer outras marcas que o tempo frequentemente produz. Ademais disso, seu nariz era bem mais fino, seus dentes mais alvos e sua pele tinha um bronzeado perfeito na versão manipulada.
— Sinto muito. Não achei que isso seria um problema até chegar e ver que você é exatamente como nas fotos. – defendeu-se ele – Por isso não tive coragem de aparecer, apenas a observei de longe.
— Espera... está dizendo que me deixou plantada naquele trailer propositalmente?! – ela levantou a voz. Estava furiosa.
— Não tive escolha, Lisa! Achei que...
— Sempre temos escolha, Max! – ela interrompeu – A vida é feita delas e fez a sua! Você é uma fraude! Não apenas por mentir sobre sua aparência, mas por tudo o que fez! Você nem é um homem feio, mas eu jamais teria algo com você depois disso!
— Papo furado! Teria vindo ao meu encontro se eu tivesse me mostrado como sou? – ele decidiu sair da defensiva – Ou melhor, teria ao menos falado comigo?
— Acha que sou alguém tão superficial quanto você está mostrando ser?! – ela respondeu – Sua aparência só contaria nos cinco primeiros minutos. Mas agora isso já não faz diferença! Adeus, Maximiliano Fake...
Lisa virou as costas e caminhou na areia em direção ao calçadão.
— É Maximiliano Fiuk! – ele corrigiu.
— Ops! Acho que confundi com outra pessoa! – disse ela sem olhar para trás.
Laura deu um sorrisinho abafado; outra ave mergulhou furiosamente no meio do cardume, emergindo segundos depois com um peixe no bico; a embarcação seguia lentamente seu trajeto no horizonte…
(Fim do capítulo um)