A política de um chofer

O chofer olha através do espelho retrovisor e vê Victor fumando um charuto, dá mais uma olhada discreta e agora vê aquela fumaça se aglomerando no vidro traseiro. Arranca o automóvel.

- Para o aeroporto. – Diz Victor.

A cada quarteirão percorrido o chofer não se contém, insiste em controlar os movimentos de Dr. Victor pelo retrovisor. O Sinal fecha. Victor, de cabeça baixa, lendo a Folha de São Paulo, dirigiu a palavra ao Chofer:

- Diga-me, Luis. O que você acha de minha mulher?

Ele estranha a pergunta delicada de Dr. Victor. Por que diabos ele perguntaria isso.

- Acho-a uma mulher bastante interessante.

Victor insiste:

- Bastante interessante?

O sinal abre:

- Sim. Gosto muito de D. Soninha, ela sempre foi muito afável comigo.

- Entendo.

Luis, o chofer, diminui a velocidade, troca marcha e conclui:

- O senhor é um homem de sorte Dr. Victor.

- Acho que não entendi. – Agora é Victor que observa o chofer pelo espelho.

Com os olhos fixos no pára-brisa, esse responde:

- Me refiro a sua esposa. Uma mulher e tanto.

Apaga o charuto:

- Como pode ter tanta certeza?

- Não tenho, apenas acho.

- Talvez você tenha razão, ela geme como ninguém na cama.

As palavras de Victor não constrangiam o chofer, e ele notou isso. Audaciosamente vai mais além:

- O que achas das coxas de minha mulher, Luis?

O chofer acelera, entra na avenida do aeroporto, aumenta gradativamente a velocidade. Victor larga o jornal, de certo ponto se assusta, coloca suas mãos no banco dianteiro para se segurar, embora estivesse usando cinto. Olha pelo retrovisor e observa o chofer imóvel, aumentando a velocidade. Esse responde agora esquecendo do espelho, visando somente o pára-brisa:

- O senhor quer saber mesmo o que eu acho da sua esposa, Dr. Victor?

Ele se assusta, arregala os olhos:

- Por que está indo tão rápido Luis? – Com a respiração alterada, Dr. Victor era obeso, sofria de problemas graves do coração. O chofer responde:

- Acho D. Soninha muito gostosa, acho ela uma delícia, Dr. Victor! Uma delícia! E sabe do que mais, Dr. Victor? Eu já transei com tua esposa inúmeras vezes bem de baixo do seu nariz!

- Do que você está falando, diminua a velocidade! – Ofegante, suando frio.

- O senhor precisa entender de uma coisa, Dr. Victor, o dinheiro não pode comprar tudo, o dinheiro não compra o amor! Só porque o senhor é milionário não quer dizer que pode ter todos aos seus pés! – Victor não fala mais nada. Está escorado no banco dianteiro, assustado, quase passando mal. Ele replica:

- Luis, por favor, diminua a velocidade! Nós vamos morrer!

Nesse momento o chofer fecha um cavalo de pau, entra numa avenida deserta de chão batido. Victor não reconhece a atitude de seu motorista que durante anos fora inteiramente fiel. O chofer responde:

- Não, Dr. Victor. Não. É o senhor quem vai morrer. – Com uma voz calma e fria.

Victor tenta abrir a porta, mas todas estão travadas. Assim como os vidros. Era uma armadilha. Victor sentiu que a morte o tocaria naquele momento. O chofer freia desleixadamente deslizando pelo chão batido. O carro pára. Luis desce do carro, se apossa de uma pistola semi-automática, abre a porta traseira, e puxa Dr. Victor arrastando-o pelo chão. Ele implora:

- Por favor! Não me mate!

- Ora, Dr. Victor! Não sujaria minhas mãos com um porco como o senhor!

Victor começa a chorar de medo e nervosismo, ofegante, suando, todo sujo, seu terno estava completamente fedido. O chofer não hesita:

- O senhor fede Dr. Victor. E sabe o que acho das coxas de sua mulher? São as coxas mais lindas que já conheci! As coxas mais gostosas que já toquei!

- Por que está fazendo isso?

Luis coloca a pistola na boca de Victor:

- Mas não sou eu Dr. Victor. Olhe para o lado.

De longe e com uma pistola na sua boca, Victor vê uma Mercedes prata se aproximando, o carro pára defronte ao automóvel dele. Desce Soninha, toda voluptuosa, com aquele charme irresistível. Ela Sorri. Victor não entende nada.

Ela anda alguns passos, pára defronte a Victor:

- Eu nunca amei você. – Victor fecha os olhos para morrer.

Nesse momento Soninha saca uma outra pistola da sua calça justa, mira no crânio de Victor, e rapidamente vira seu braço a um metro à direita e atira no chofer. Atira de novo. E de novo. E de novo. Foram três tiros no peito e um na cabeça de Luis, o chofer, que cai espirrando sangue. Victor não acredita no que acaba de ver. Não está entendendo mais nada. Por um momento ele estava a um passo da morte e agora vira cúmplice de um crime. Ele fica mudo. Soninha ajoelha-se, e implora:

- Me perdoe Victor. – Coloca a pistola em sua cabeça.

Victor se assusta e grita:

- Soninha, não!

O barulho do tiro perfurando o crânio de Soninha foi assustador e ao mesmo tempo doloroso. A mulher que mais amou agora esta morta junto com seu chofer.

(Silêncio)

Victor acorda das lembranças e volta ao consultório.

- Foi isso mesmo que aconteceu? – pergunta o Dr. Rafael Prado, psicólogo particular do Dr. Victor.

- Sim, foi isso mesmo.

- Você precisa mais do que nunca superar isso, Victor. Sei que este fato é muito dramático na sua vida, porém já faz mais de quatro anos.

- Mas não consigo, Doutor. É como se o espírito de Soninha voltasse a todo o momento para me assombrar e relembrar desse fato.

- Olha, Victor. A época de eleições esta aí. Você vai se candidatar a senador, certo?

Victor não responde, Dr. Rafael repete:

- Certo, Victor?

- Certo.

- Por tanto, um futuro senador não pode conviver com fantasmas. Este caso, como você mesmo falou já foi abafado pela polícia, ninguém sabe dessa história e você não pode deixar que ela venha à tona depois de tanto tempo.

- Você está certo Doutor, eu preciso mesmo relaxar. Época de eleições me deixa nervoso, talvez por isso eu esteja relembrando desse fato.

- Isso, Victor! Você tem que entender que é você que vai ao problema, e não o contrário. Se você quiser esquecer, consegue.

- Tudo bem, Doutor. Nosso tempo já está acabando, não é? Agradeço sua atenção.

- Que isso Victor, sempre que precisar, pode vir aqui, não cobrarei consulta de você.

Levanta-se do estofado:

- Muito obrigado Dr. Rafael. Essas suas palavras sempre me ajudam.

- Fico feliz em saber.

- Abraço Doutor, até mais ver.

- Até mais, Victor.

Ele sai do consultório do Dr. Rafael realizado. Passa pela secretária de saia curta e coxas grossas, Victor sempre foi viciado em coxas, olha discretamente e a cumprimenta, chama o elevador e desce. Quando sai do prédio, Luis, o chofer, está o esperando no carro. Victor entra como de costume pela porta de trás, e ao seu lado, sentada, está Soninha, sua esposa. Ela pergunta:

- Então, meu amor, como foi lá?

- Ele acreditou em tudo, a primeira parte do plano já deu certo.

- Ótimo, por isso que eu te amo. (Se beijam)

Victor ordena:

- Para o aeroporto.

Victor apanha a Folha de São Paulo para ler enquanto o carro se locomove. Pelo espelho o chofer olha para dona Soninha e abre um vasto sorriso. E Soninha, discretamente, pisca com o olho direito.