Despertar

O mesmo bip da manhã anterior, acompanhado do mesmo suspiro ao desligar e ver que está 15 minutos atrasado mais uma vez, sentou-se na cama esfregou os olhos e praguejou os demônios da sonolência vespertina, olhou para o relógio mais uma vez e eram 7:16, e pensou: “como diabos nunca acordo na hora”. Foi até o banheiro pegou sua escova de dentes, e olhou para sua face desolada mais uma vez pela manhã, é incrível como nunca nos damos contas de nossas frustrações e que temos uma vida de merda até olhar seu autorretrato no espelho mostrando uma face totalmente diferente daquela que havia planejado desde que seus primeiros resquícios de cabelo branco começaram a aparecer. Escovou os dentes e resolveu deixar sua barba por fazer, vestiu sua roupa, uma velha camisa azul turquesa, e uma calça risca de giz que a muito tempo já mostrava suas barras gastas pelo tempo de uso. Passou uma água em seus cabelos, e praguejou por sua aparência desoladora digna de dar pena a um mendigo. Trabalhava a apenas duas quadras dali, de onde morava, em um escritório de telemarketing, no caminho comprou um café, cujo temperou com uma dose de whisky barato que sempre carregava no bolso de sua calça. Tomou um gole de seu café e olhou para todas aquelas pessoas na rua que o olhavam com desprezo por onde passava, não as culpava pois até ele mesmo sentia pena, desgosto e nojo da pessoa que acabara se tornando, mas mesmo assim olhava para as pessoas e se perguntava, “ como diabos alguém pode ficar feliz por acordar às sete da manhã ir trabalhar, ouvir gritos e reclamações de um chefe que nunca está satisfeito, e sorrir com a mesma cara de otários para seus clientes.” Tomou mais um gole de seu café e entrou em seu trabalho, foi até a sua repartição e sentou em sua cadeira com estofamento preto furado, em frente a sua mesinha de madeira, no seu cubículo apertado menor que um elevador, colocou seus fones ligou o seu computador, atendeu duas ligações e tirou seu telefone do gancho. Tomou mais um gole de seu café, seguido de um diretamente na sua garrafinha de metal, olhou a foto de seu filho em cima de sua mesa, e rezou para que ele tivesse um futuro diferente do seu. Colocou novamente seu telefone no gancho e atendeu mais algumas ligações, uma do senhor Wilson, que ligava para reclamar da companhia quase todos os dias, porém passava mais tempo falando mal da esposa do que o seu real propósito de ligação, isso de certa forma me divertia, pois me tirava um pouco de orbita e via que não era só eu que tinha uma vida de merda, na verdade todos no mundo estava atolados na merda, sejam eu, pastores, ricaços, pobretões, mendigos, pessoas que tinha algo e se achavam muito, pessoas que tinham muito e eram tão humildes, todos tínhamos nossos calos, todos estávamos na merda, uns mais que outros, mas não havia uma pessoa sequer que escapasse. Desliguei a ligação do sr. Wilson, e tirei novamente o telefone no gancho recostei minha cabeça na mesa a minha frente e comecei a roncar, meu chefe me acordara, discutiu comigo porém sabia que não iria me demitir, ninguém queria o meu emprego, nem mesmo eu, porém era necessário alguém “fazer”, e quem melhor que a bucha de canhão aqui? Escutei seu sermão e voltei a dormir, acordei já era hora de ir embora, tomei o restante do whisky da garrafa, o que me rendeu uns dois goles, e voltei pra casa, no caminho vi uma senhora espantando os pombos de sua calçada, um senhor discutindo com um garoto, e um menino se agarrando com outro em uma esquina e pensei comigo “realmente estamos todos na merda, apenas buscando preocupações inúteis, e ocupações mais inúteis ainda, para não terem que estar tão na merda como eu, a ponto de ter tais pensamentos”. Passei em um bar onde havia alguns bêbados no chão, outros nas mesas, e alguns chorando pelas mulheres deixadas, fui até o balcão pedi $5 de um whisky de baixa qualidade, e pedi que o garçom o colocasse em minha garrafa, olhei novamente para os bêbados e via aquelas vidas todas sendo jogadas ali, e eles em seu pequeno momento de epifania, eu gostava de bêbados, pois quando se está bêbado, você realmente faz o que quer, pensa o que quer, e ninguém julga o que fala ou faz, pelo simples motivo de ser um bêbado, a culpa sempre vai ser do álcool, mas o que poucos sabem é que o bêbado só faz aquilo que tinha vontade de fazer, porém estava sóbrio demais e covarde demais para fazer. Seja essa puxar briga com alguém, cortejar uma mulher ou outra infinidade de vontades. Eu realmente gostava de bêbados, talvez pelo fato de ser um deles ou pelo simples fato de suas vidas estarem tão na merda a ponto deles não ligarem mais para porra nenhuma. Peguei minha garrafa, pedi uma dose de vodka, paguei-a, bebi em um só gole e segui me arrastando em meu manguezal de merda até minha casa, entrei em casa, comi uma fatia de um pão velho com manteiga, tomei um banho, uma dose do meu whisky e deitei na cama, para acordar no outro dia novamente atrasado e seguir meu caminho de merda até o dia em que a morte ceife minha alma, após eu lhe oferecer uma dose de um whisky barato e trocar comentários ácidos sobre a vida de merda que todos levam nesse mundo.