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Os primeiros dias de inverno ainda traziam consigo aquele calorzinho gostoso que o outono deixara em seu ocaso. Não havia nada novo, era algo típico do clima local todos os anos nessa estação, não obstante a expectativa sempre girar em torno de dias mais frios. Quando isso eventualmente ocorre na região, casacos, cachecóis e sobretudos, geralmente esquecidos nos cantos mais remotos dos guarda-roupas, invadem as ruas com suas formas, cores e tamanhos variados.
Deveras nervosa e bastante incomodada com o calor, ela já se havia arrependido de ter colocado aquele vestido colorido de mangas longas. A temperatura estava agradável quando saiu de casa e por essa razão não poderia jamais imaginar que o tempo mudaria tão repentinamente. Pensou mesmo em voltar e trocar de roupa, mas isso implicaria em algumas horas de atraso e era este seu primeiro encontro com ele.
“Droga, se ao menos eu tivesse dado uma olhada na previsão do tempo!” Pensou, desolada, enquanto ajeitava um cabelo que já não tinha o que ajeitar.
Ela o conheceu num desses aplicativos para relacionamentos, algo cujo uso considerava improvável até não muito tempo. Na verdade, vez por outra ainda perguntava a si mesma se aquilo de fato estava acontecendo, se era real, pois cansou de ouvir suas amigas dizerem que, em aplicativos como aquele, ela só encontraria homens malucos, carentes e tarados. Em especial esses últimos. Sua perseverança, no entanto, pareceu finalmente receber a merecida recompensa, uma vez que ele aparentemente era um daqueles achados raros, com características de um protagonista criado por Jane Austen. Ela ousaria dizer que o Sr. Darcy sentiria inveja de seu cavalheirismo. Mas com tudo isso, misturado a toda essa euforia, havia um pouco de medo também. Talvez mais até do que gostaria de admitir.
Por não poucas vezes passou por sua cabeça a ideia de que ele poderia realmente ser apenas um tarado, um maluco ou um cara dissimulado, cheio de más intenções. Quem sabe uma versão moderna de Jack, o Estripador. Suas amigas a advertiram severamente para que fosse o mais cautelosa possível.
– Não entre no carro dele! Não beba nada que ele sirva e que não tenha sido aberto na tua presença! E em hipótese alguma vá a casa dele! – diziam elas insistentemente.
— Ei, quantos anos acham que tenho? Quinze?! – disse a elas, indignada.
Ao olhar o relógio, viu que ainda estava mais de quinze minutos adiantada. Havia planejado atrasar-se uns dez, a fim de criar certa expectativa nele, mas ignorou o fato de que nos finais de semana à tarde o trânsito era menos caótico que em dias úteis no mesmo horário.
“Eu poderia ter me aprontado com mais calma!” Suspirou.
Mesmo levando em conta o fato de ele ainda estar dentro do horário acordado, tinha de admitir que havia certo desapontamento por não vê-lo ali, com um sorriso largo no rosto, quando chegou. Pelo visto ele fazia o tipo pontual, provavelmente uma característica herdada dos modernos metrossexuais. Nesse momento cogitou em sua mente subtrair dele um ponto em uma espécie de “tabela mental para fins de avaliação”, algo que as mulheres parecem criar para casos assim. Decidiu, no entanto, após breve reflexão, perdoá-lo... por hora.
O nervosismo crescia a cada segundo. Suas mãos suavam tanto que teve de pegar um lenço na bolsa e enxugá-las.
"E se ele não gostar de mim? E se achar que sou gorda demais ou magra demais ou alta demais ou... ah, por que ele não chega logo?!”
Sua mente estava em alvoroço. Os pensamentos atropelavam-se uns aos outros. Ela resolveu então enviar uma mensagem para fazê-lo saber que já estava no local combinado. Não tinha certeza se devia realmente fazer isso, afinal, ele não estava oficialmente atrasado. Digitou e apagou a mensagem algumas vezes antes de decidir enviá-la de fato.
“É bom mesmo que ele saiba que perdeu a oportunidade de ser um cavalheiro à moda antiga ao chegar depois da dama. E isso no primeiro encontro!”
Mais uma vez a tentação de decrescer um ponto em sua “tabela”, assaltou-lhe a mente. Porém tinha algo mais importante a fazer no momento. Primeiro enviou uma mensagem através do WhatsApp, mas percebeu que ela não chegou ao destino. O aplicativo indicava apenas que a mensagem havia sido enviada. Isso a fez sentir um embrulho no estômago e também um calafrio pelo corpo inteiro. O pensamento já lhe havia ocorrido antes, mas até aquele momento não queria pensar na possibilidade. Mas o fato é que o homem do telefone, aquele com o qual passou longas horas conversando e a quem confidenciou detalhes pessoais de sua vida, não chegaria atrasado ou sequer em cima da hora em seu primeiro encontro. Algo certamente estava errado…
(Fim da parte um)