CRÖNICA DE UM TEMPO AMARGO
Chuvoso e maltrapilho o tempo se arrasta neste início de século 21, neste canto do planeta, escavando a sepultura das nossas horas mal vividas. Passo a passo, o homem tateia no escuro na sua marcha hesitante, completamente só, rumo a um futuro incerto, engolido por milhões de terabytes e uma angústia inexplicável. Está cada vez mais dificil manter os sonhos!
Suas gigantescas sensações e imensas conexões, não lhe geram certezas, apenas mais dúvidas e mais ambiguidades. Parece caminhar definitivamente em círculos!
Eu vejo do alto da minha janela a placidez da natureza, a mansidão das árvores e penso com indisfarçável desconforto, que longe dos meus olhos, o mundo ainda arde em guerras engolfado pela intolerância e pelos sentimentos infantis insepultos pela maturidade, sendo, sem dúvida, o maior deles, o medo. O pior de tudo, é que as imagens dos corpos sem vidas empilhados nas ruas dilaceradas, nos escombros da cidade semidestruída, oh céus...! Não choca mais ninguém!
Se uma das funções da flexibilidade cognitiva é desenvolver resiliência aos fatos negativos da vida que nos afetam, eu... estou fora, porque meu coração pode estar obsoleto, mas quero mantê-lo assim anacrônico, analógico e humano, o quanto puder!
Limpo os olhos com a manga da camisa, mas minha mente, arguciosa, tenta dispersar meus pensamentos. Atrai os meus olhos, um bando de pássaros jovens que invadiram o gramado verde no fundo da casa. Saltitantes, se banqueteiam, dividindo irmanados, as sobras da noite.
Eles nada temem e parecem bem mais felizes que o homem do meu tempo, individualista, insensível e amargo!