IMPASSE

Aquela cidadezinha estacionada a meio caminho de canto nenhum, era considerada por muitos como lugar de sair, porque ninguém vinha para ficar.

Os ideais de progresso dos mais jovens começavam por deixar tudo aquilo para trás na primeira oportunidade. Há muitos anos não se construíam novas casas, não haviam casamentos e os nascimentos eram raros na clara indicação de que mais dia, menos dia a cidade deixaria de existir, mas os moradores mais velhos mantinham as tradições das festividades religiosas e o mês mariano estava chegando ao fim.

O Pe. José reunido com os obreiros da paróquia deu a notícia que todos já sabiam. Dona Mariquinha, depois da missa de sétimo dia de falecimento do marido, disse ao padre que não mais seria juíza da festa de Santo Antônio. Durante muitos anos a festa fora organizada pelo seu finado marido, o Sr. Damião encarregado dos Correios, mas agora viúva não sentia ânimo para continuar sem ele. O grande problema era que faltavam apenas 15 dias para o início das comemorações e eles teriam que escolher o substituto, ou substituta, naquela reunião, porque era muito trabalho para um pároco já sentindo as limitações físicas dos seus 80 anos.

As Filhas de Maria puseram-se imediatamente fora da convocação, alegando o trabalho constante com as procissões da imagem peregrina da Na. Sra. de Fátima que, por puro capricho da Professora Marilda, Coordenadora da Pia União das Filhas de Maria, quando escolheu as casas onde a santa iria pernoitar, fez questão que ficassem bem distantes umas das outras de forma que a procissão teria que passar por muitas ruas a fim de despertar a devoção dos moradores, fazendo com que elas andassem muito de um canto para outro, noite após noite durante todo o mês.

Madrinha Lourdes, a principal Catequista da Diocese que abrangia igrejas de vários povoados, se disse bastante atarefada com a preparação para a primeira comunhão das crianças marcada para a Festa da Assunção de Nossa Senhora, no dia 15 de agosto, pois parecia que neste ano, as crianças estavam mais burras que as dos anos anteriores. Só um ou dois haviam decorado as orações necessárias para a confissão, comunhão e participação na santa missa da catedral celebrada pelo exigente bispo polonês, Dom Czeslaw Gniewek, sempre honrado e raivoso como o seu nome indica.

O Senhor Antenor, presidente da Ordem Terceira do Sagrado Coração, disse que eles estavam muito ocupados com as obras da assistência social aos desvalidos cadastrados e com a confecção das muletas e cadeiras de rodas encomendadas pela Santa Casa...

E assim, um a um, os presentes foram se descartando da obrigação de organizar a festa do santo que deveria ter a trezena, rezada nos primeiros treze dias do mês de junho, o responso com intensões sugeridas pelos paroquianos participantes das celebrações e a tradicional distribuição diária de cento e trinta Pães Sagrados que o comendador português Sr. Antônio Manuel Beirão, dono da Padaria Santo Antônio de Lisboa, mandava todo ano em pagamento pela graça alcançada por interferência do Santo.

Diante do impasse, o velho sacerdote lembrou a todos que o Santo Padre é escolhido por sorteio durante o conclave no Vaticano e que seria conveniente que se fizessem dois sorteios, o primeiro com os nomes das ordens e o segundo para definir os juízes da festa, com os nomes dos participantes da ordem sorteada e que todos jurassem que ajudariam a realizar as tarefas daquele que Nosso Senhor escolhesse.

Recusas pelos mais diversos motivos fizeram com que a reunião fosse encerrada sem definição quando o relógio da sacristia badalou meia noite...