VÁ PRA BOATE, SEU SEM-VERGONHA..!

Contava-se nas juvenis patotas da minha adolescência, na saudosa e extinta Rua Tinguís – que depois teve o nome trocado – uma verídica e tragicômica história, servindo de lição para nós, moçada do bairro Mercês.

Primeiramente é preciso narrar uma ocorrência anterior: em determinado fim de tarde, no chuvoso mês de março de 1960, na saída do expediente de um órgão público de Curitiba, estavam juntos três cunhados: Vitório, casado com Aracy; Mauro, casado com Mirna; e Basílio, irmão de Aracy e Mirna. Quase ninguém possuía automóvel naquela época, e praticamente todos dependiam de ônibus, lotação ou ‘carro de praça’ - como então eram chamados os taxis. Basílio, solteiro e chegado à uma festa, cutucou seus cunhados:_”Que tal se, ao invés de ficarmos aqui esperando a chuva passar, fôssemos tomar um uisquinho no night club que abriu ali na esquina? Mauro acenou que não, e Vitório reagiu indignado:_”Que é isso...não posso fazer isso com tua irmã, pobrezinha me esperando lá em casa com o jantar quentinho...”. _”Mas é só pra conhecer, tomar uma bitruca e pronto, nada mais que isso”, retrucou Basílio. Mauro assentiu:_”É...um trago nesse tempo pesteado até que vai bem, eu topo”. Então Vitório se sentiu um empatador de programa, e mesmo contra a vontade, cedeu condicionalmente:_”Tudo bem , mas no máximo meia hora, e fique bem claro que vou só pra acompanhar vocês”.

Abriram os guarda-chuvas e rapidinho chegaram ao night club. Pediram um drinque pra esquentar um pouco, e depois outro. Nisso, começou o baile, e Basílio prontamente convidou a dama mais bonita da casa pra dançar. Ele era um baita gozador, e conhecendo o profundo amor que Vitório nutria por sua irmã Aracy, inventou de dizer à bela rapariga que o Vitório era um fazendeiro podre de rico do interior de São Paulo, com um enorme coração mas muito tímido, precisando sempre de um toque feminino pra se sentir livre e feliz.

A moça voou pra mesa deles. Fixou seus belos e sedutores olhos no Vitório, puxando um alegre papo com ele. Repleta de decotes e sem qualquer parcimônia, encostou-se assim meio de lado, volta e meia afagando suavemente o braço daquele bom e fiel marido. Foram necessários apenas cinco minutos pra despertar o tigre que havia em Vitório e fazê-lo ‘pegar no breu’. Surpreendendo seus pares, começou a prosear e sorrir com grande desenvoltura – não era mais a mesma pessoa. Quando seus companheiros se deram conta, ele já estava de bracinho ao redor da cintura dela, murmurando palavras no ouvido e roçando com os lábios seu maquiado rosto.

Basílio jamais imaginou que um dia presenciaria tal cena. Indignado, bateu com o punho cerrado na mesa, fazendo pular os gelos pra fora dos copos. Furioso, exclamou:_”Vitório, seu patife...a coitadinha da minha irmã te esperando com a janta quentinha em casa, e você aí se derretendo pra essa sirigaita..! Vamos embora já daqui!!! Saíram todos, arrastando com grande dificuldade o Vitório de volta pro mundo real.

Pegaram um carro-de-praça, e a meio caminho de casa – como via-de-regra acontece – a lucidez voltou ao Vitório, que já não sabia o que fazer com tamanha vergonha e arrependimento. Chegou em casa chorando amargamente, e abriu tudo pra Aracy, tim-tim por tim-tim. Ela ouviu bem quieta e infinitamente zangada. Nada respondeu, apenas se levantou bruscamente, faiscando o marido com um olhar que por pouco não o desintegrou. Atirou um travesseiro e um cobertor no sofá da sala, sem precisar dizer mais nada – pra bom entendedor dois acessórios de cama bastam.

Mas a vida sempre continua. Não tocaram mais no assunto os três parentes, cada um arcando com suas próprias consequências e conclusões. De Mauro, o que se sabe é que também contou a aventura para Mirna, que levou em conta o passado impoluto do marido e decretou:_Muito triste tudo isso, que jamais se repita..!

Quase um ano depois, o filho do Mauro nasceu e foi batizado. Quem eram os padrinhos? Sim, eles mesmos, Aracy e Vitório. Tinham sido escolhidos de longa data, em razão do grande afeto que existia entre as duas irmãs. Na volta da igreja, uma grande churrascada reuniu mais de quarenta pessoas. Os homens todos em torno da grelha, como era de costume. Mauro chamou para perto o Vitório e lhe confidenciou:_”Compadre, olhe só esses mignonzinhos que separei pra você, estão derretendo”._”Nossa, que coisa linda, Mauro, vou levar pra Aracy!”. E lá foi ele feliz da vida em poder servir uma delícia daquelas pra sua amada esposinha.

Aracy estava numa rede, meditando. Quando viu o apaixonado marido se aproximar com aqueles apetitosos pedaços de carne e gentilmente lhe oferecer, sabe o que ela fez? Bradou em alto e bom som:_”Vá pra boate, vá, seu sem-vergonha..!”. Isso quase um ano depois..!!! Espero que ao menos antes de morrer, tenha aprendido a perdoar tão bom marido.

(Marco Esmanhotto)