UM DIA DE MÁ SORTE !

UM DIA DE MÁ SORTE !

Na simpática vilazinha de casas parecidas, a família do ex-contador Fortunato Benvennutto acordava para mais um belo dia de "dolce far niente", até porque era feriado, Dia da "Madonna" Aparecida, isso lá na capital paulista. No interior, cada cidade tinha sua Nossa Senhora, quase tão importante quanto a da Catedral. No amplo terreno da casinhola "seu" "Nato" construíra várias "meia água", quartinhos amplos com banheiro e chuveiro, isso para manter (re)unida a "famiglia", imposição dele. Cada filha, já adulta ou quase isso, tinha sua própria "casa" -- mesmo as três sendo ainda solteiras -- porém o café da manhã era "na casa grande", a da mãe, dona Clarinda.

De repente, ouve-se um berro... a mãe e filhas quase saltam das cadeiras, xícaras balançam na mesa e nem eram ainda 7 "da matina". Correram apressadas ao quarto do pai, o encontrando tremendo, olhos arregalados, um dos pés do seu chinelo balançando na mão. "Palito" também acorreu, jovem ainda, único macho da casa além do velho contador, muito requisitado na cidade e que fez belo "pé de meia" na rendosa profissão. Sabia "segredos financeiros" da cidade inteira mas, dele, não saía um "A" sequer !

-- "Meu velho, o que houve, estás passando mal" ?!, interroga a setentona esposa, 50 anos de casório fiel.

-- "Papai, que escândalo é esse" ?!, exclamam juntas as filhas.

-- "OLHA ISSO, olha só... meu chinelo de estimação, meu "chinelo" da sorte ! Estou perdido" !, e exibe a peça em frangalhos, as tiras de couro de coelho roídas, totalmente imprestável para uso, seu "talismã" destruído.

-- "Foi este "inseto", esse "rato de Itu", essa "praga do Egito" que vocês deixaram entrar no meu quarto"!, e balançava os restos do chinelo em direção ao "vira-lata" magérrimo, as costelas em forma de sanfona sobressaindo do pelo marrom alaranjado. O cachorro olhava espantado para o velho amigo, estava falando dele e não parecia ser boa coisa.

-- "Vou esfolar essa "desgraça", vai virar "cachorro quente" !, e o chinelo voou -- qual míssil talibã -- na direção dele. "Epa, hora da retirada, o tempo aqui 'tá quente", pensou "Palito".

-- "Meu velho, que história é essa de chinelo da sorte" ?!

Dona Clarinda só o chamava assim desde jovens e êle tinha apenas 5 anos a mais que ela. O chinelo fôra presente seu, já nem lembrava a data.

-- "Boto as apostas da Loteria nele... não falha nunca, é "batata" !

-- "Ah, essa não... lhe dei faz uns 30 ANOS, nem havia Loteria naquela época" !

-- "Tinha sim, querida, a "Loteca"... e eu já jogava nela" !

-- "Santo Deus, quanto dinheiro "no lixo"... e nós aqui passando apertos. Não quero ouvir mais nada ! Venham meninas, voltemos para o café e nem ouse trocar no "Palito", é "cria" da casa, "MEU FILHO", aliás" !

-- "Êle que nem passe perto ou não respondo por mim" !, berrou.

-- "Chinelo DA SORTE... não faltava mais nada !!! Venha, "Palito", vamos tomar café" !

O cachorro passou a manhã na "barra da saia" da esposa, receoso dos olhares furibundos do velhote ranzinza.

-- "Ai, ai, que dia de MÁ SORTE esse... mas o que foi que eu fiz" ?!, matutava o vira-lata, sem atinar com a razão da desgraça.

Desgraça maior foi a do velho "Nato"... não acertava mais nada, até a LotoFácil "ficou difícil" ! Embora ninguém acredite, tudo indica que o chinelo era mesmo um AMULETO... agora, estava fadado a não acertar mais coisa alguma pelo resto dos seus dias. E aquele cachorro lazarento parecia estar rindo dele, o miserável !

-- "Aquela "peste" me paga... ou não me chamo Fortunato" !

"NATO" AZEVEDO (em 12/out. 2022, 8,30hs)