Direito de desaparecer
- As coisas não mudam nessa cidade, não é? - Declarou com um sorriso sardônico, ao desembarcar na rodoviária.
- Considerando que você ficou apenas uma semana na capital, não mudaram mesmo - redarguiu a irmã, dando-lhe um abraço de boas-vindas.
- Talvez eu devesse ter ficado fora mais tempo - ponderou, carregando a mala e acompanhando a irmã até o estacionamento onde ela deixara o carro.
- Nem pergunte se alguém além de mim sentiu sua falta; não deu tempo - prosseguiu ela, abrindo o porta-malas para que ele guardasse a mala.
- Assim, você está ferindo meus sentimentos - replicou, com ar de dignidade ofendida.
- A sua casca é bem grossa e aposto que não teria voltado se as coisas na capital tivessem saído como você imaginou - desdenhou a irmã, dando partida no carro.
Rodaram em silêncio por alguns minutos, enquanto ela seguia em direção à casa onde morava com o marido e os três filhos.
- O que o meu cunhado disse quando soube que eu iria passar um tempo com vocês? - Questionou.
- Que você tem um espírito de empreendedor e que em breve estará partindo para um lugar melhor.
- Parece que seu marido me tem em melhor conta do que você, cara irmã.
- Não comemore; menti, dizendo que você precisava de um tempo para acertar as coisas, antes de partir em definitivo para a capital. Em resumo, que tudo estava saindo de acordo com o que você havia planejado.
- Isso não é bem verdade... - ponderou ele.
- Não me faça passar por mentirosa na minha própria casa - advertiu ela.
- Está bem - apressou-se ele em concordar. - Mas já que é assim, talvez eu precise de uma pequena ajuda para... quando for embora em definitivo.
- Parece que meu marido tinha razão em acreditar no seu potencial - comentou ela, muito séria. - Claro que iremos ajudá-lo, quando resolver ir embora.
E, desviando os olhos brevemente do trânsito, complementou:
- Mas não antes disso.
- [08-10-2022]