O "MACETE"

O "MACETE"

O "seu" Alcides era "homem dos 7 instrumentos", de tudo êle sabia um pouco, tudo consertava, remendava, ajeitava, para êle não havia máquina escangalhada que não recuperasse, armário velho que não deixasse novo, porta ou janela defeituosa que não fosse corrigida. Nesse momento trocava as molas da cadeira da vovó no salão todo enfeitado, rendas e guirlandas por toda a parte, sob o olhar atento do casal de irmãos de 7 e 8 anos Luís Carlos e Carla Luíza, "rebatizados" pelos familiares de "Lilico" e "Lica". Sobre a mesona de 10 cadeiras, no centro do amplo salão, um bolo de "3 andares" exibia seus sabores à brisa matinal, fazendo coçar as sensíveis narinas do "seu Alcides". O velhote tinha "um fraco" por bolos; resistia heroicamente a uma "branquinha", recusava sem vacilar um conhaque de alcatrão São João da Barra, um licor importado, um champagne "francês" feito nos confins da Argentina ou Chile. Mas para bolo era um Golias, só parecia rocha porém era areia. Trabalhava olhando o bolo irresistível, magnético, e as crianças logo notaram.

-- "Não pode comer agora, é pro casamento da minha irmã mais velha" !

O "temporão" Luiz Carlos não tinha "papas na língua" e era da família de posses, uma das melhores do lugarejo.

-- "Para tudo na Vida tem um "macete", meu jovem" !

-- "E o que é o tal "macete", seu Alcides" ?!

-- "É um jeitinho especial de se fazer as coisas, mais prático, menos trabalhoso, que só o sujeito conhece" !

-- "Ah, já sei, é como "dar efeito" na bolinha de gude" !

-- "É por aí, Lilico... me traz uma faca que te mostro" !

A menina, mais velha e mais responsável, objetou:

-- "Não tem jeitinho... só vão cortar o bolo de noite e o senhor nem foi convidado... pode esquecer" !

-- "É, mas nós só vamos comer amanhã, se sobrar um pedaço, a festa vai ser muito tarde, ela casa de noite" !

-- "Então, está decidido... comemos agora e não se fala mais nisso. Traga a faca, Lilico" !

-- "A mamãe vai te esfolar... e a mim, também" !, protestou a menina sem saber de que lado ficar" !

-- "Acontece que eu quero ver o tal macete ! Não vai "dar galho", seu Alcides ?! Olha lá, hein" ?!

-- "Serviço limpo, garoto... ou não me chamo Alcides ! Me traga uma faca e 1 pratinho e lhe mostro o macete" !

Cortou cuidadosamente "2 dedos" do bolo, o pedaço em forma de triângulo", descolou a peça da base de madeira forrada de papel metálico e puxou-a até a metade dela. Cortou na horizontal pelo meio a parte inferior do pedaço de bolo... a parte de cima resistiu, não cedeu, quase um milagre. Alcides empurrou o pedaço "vazado" de volta para seu lugar, "recompondo" com a faca o glacê lateral desmanchado na operação malandra. Comeram maravilhados o "tico" de bolo, do tamanho de uma caixa de fósforos, Alcides vaidoso de sua esperteza. Terminado o conserto da cadeira, o pedreiro partiu, deixando na sala um aluno aplicado e decidido a ir além na aventura, secundado pela irmã, agora cúmplice.

"Cavoucaram" o bolo inteiro, até quase o centro da base, a peraltice disfarçada pelo "macete" aprendido pouco antes. O bolo equilibrava-se agora por um milagre da Física e, ao sentir a pressão de duas mãos dos noivos a cortá-lo na festa nupcial, desmoronou inteiro, veio abaixo qual Morro encharcado por temporal. A mãe da noiva nada entendeu daquilo... a famosa boleira da cidade, dona "Candinha", "perdera o jeito" pelo visto, um vexame ! As crianças dormiam o sono dos justos, empanturradas, sonhando... com bolos !

"NATO" AZEVEDO (em 5/out. 2022, 5hs)