PRESO NA LIBERDADE

Um jovem diretor entrou num elevador e apertou o botão para seu andar. Quando chegou, a porta não se abriu. Apertou o “T” e desceu. Chegando no térreo a porta se abre, mas fica inconformado em não chegar ao seu objetivo, e em vez de sair do elevador e subir pelo de serviço, tenta subir mais uma vez. Aperta o botão e sobe. Só que no 18º andar o elevador não abre, contudo, ao descer novamente não quer sair, pois já perdeu tempo naquele meio de ascensão.

Uma pessoa que ia para o 6° andar ficou observando, no térreo, o diretor subir e descer. Toda hora que a porta se abria chamava-o para sair e tentava convencê-lo que o defeito do elevador não era seu problema.

- Sai desse elevador, camarada.

- Não saio! Entrei nele para chegar ao meu destino.

- Mas esse elevador está quebrado.

- O problema é dele. Está no meu caminho.

- Você pode acabar preso...

- Liguei o f*da-se!

- Vou chamar a empresa de manutenção.

- Pode chamar! Daqui ninguém me tira.

Então o zelador foi acionado e ligou para a empresa de manutenção. Em uma hora a empresa chega e se depara com uma pessoa presa no elevador.

Um dos funcionários abre a porta e deixa o vão aberto. O outro pega o interfone para conversar com o “preso”:

- Bom dia. Somos da empresa de manutenção.

- Péssimo dia!

- OK, mantenha a calma.

- Ninguém me manda “manter a calma”.

- Tudo bem, desculpe, meu senhor.

- Tá desculpado, mas me tira daqui. Estou com falta de ar.

- Quero que aperte o “T”, a porta aqui embaixo está aberta.

- Você quer. Ninguém manda em mim, só o CEO da empresa e mesmo assim, sempre tenho razão e não perco uma contenda.

O outro funcionário interrompe a conversa e fala para o diretor.

- Oh, Schopenhauer

- Falou o que, rapaz?

- Pensei alto chefe, viemos aqui para ajudar e temos outros serviços a fazer. Quando quiser sair basta apertar o térreo. Tchau, querido!

Desligaram o interfone e partiram. Empresas de manutenção em elevadores têm metas a cumprir. Dizem que fazem cerca vinte de atendimentos diários. Tempo é liberdade.

O zelador estava incomodado com aquela situação. Poderia ser chamado atenção pelo síndico, pensou. Muitos clientes, empresários e funcionários estavam subindo e descendo pelo elevador de serviço e pelas escadas. O zelador tomou um café forte sem açúcar, tragou um vape pela janela e teve um insight feito fumaça. Subiu as escadas apressado. No 2º andar lembrou que tinha uma psicóloga muito carismática e atenciosa. Ela seria a ponte para negociar com o diretor atribulado:

- Dra Graça, bom dia.

- Bom dia, Zé!

- Tem um diretor preso no elevador. A empresa de manutenção já abriu a porta, mas ele não quer descer.

- Vamos lá, irei tentar resolver. Estou cheia de pacientes. Irei cobrar essa “consulta” em dobro.

Desceram as escadas e quando se aproximaram do vão aberto, já tinham muitos curiosos reclamando do perigo de ter um “buraco” no elevador.

- Que irresponsabilidade, bradou um pai de meninas.

O zelador teve que chamar a empresa de segurança privada para colocar uns cones e fita zebrada para isolar a área e dissipar os ocupados com os problemas alheios.

Toca o interfone no térreo, a psicóloga atende:

- Oi!

- Quem fala?

- É a Graça, psicóloga, ao seu dispor.

- Me tira daqui!

- Só você pode soltar suas amarras.

- Mas como? Se não posso cumprir meu objetivo.

- O senhor, como diretor, está acostumado a decidir os destinos dos outros e da empresa.

- Estou sim, gosto de liderar!

- Dê o exemplo e lidere a si mesmo.

- Que graça! Não estou interessado em autoajuda.

- Não é engraçado. Muitas pessoas já estão comentando sua atitude infantil. Aqui embaixo há um vão inseguro, o elevador de serviço sobe e desce com sobrepeso e a escada de emergência parece a de um prédio invadido por sem-teto.

- Já falou tudo, Dou-to-ra?!, e desligou a chamada.

- Zé, esse diretor me deve duas consultas. Se ele não me pagar, você já sabe quem “samba”.

- Mas doutora, só quis ajudar!

- Sei, quis salvar o seu plantão. Sou paga para ouvir e não para resolver problemas no elevador.

Enquanto rolava essa conversa, todas as pessoas do 18º andar saíram de seus escritórios e se aglomeraram em torno do elevador. Uma muvuca.

Liberdade! Meritocracia!, berrava o diretor em pânico.

Dentre a multidão, havia uma senhora de 80 anos que foi visitar seu netinho empreendedor. Ele montou uma empresa de software em parceria com empresários chineses.

A velhinha bate com uma bengala na porta do elevador e diz:

- Sua prisão é psicológica, meu jovem. Quando tiver um objetivo e perceber que no meio há dificuldades e obstáculos, não fique preso aos problemas. Se não for especialista para resolver, procure ajuda ou sua inação pode comprometer a liberdade dos outros e a sua também.

- Quero liberdade, me soltem!

- Aperte qualquer botão e terá sua liberdade de volta.

Então o diretor apertou o “T” e o elevador voltou ao ponto de partida.

Essas páginas para o leitor, foram horas para o diretor e pareceu uma eternidade para os envolvidos. Se o tempo é relativo para quem está livre, imagine para os presos na liberdade.

Isaac Machado Azevedo
Enviado por Isaac Machado Azevedo em 03/10/2022
Reeditado em 26/07/2023
Código do texto: T7619807
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