Primeiro sábado da priavera
Primeiro sábado da primavera (José Carlos de Bom Sucesso – Academia Lavrense de Letras)
Amanheceu o primeiro sábado da primavera do ano de dois mil e vinte e dois. O sol está escondido nesta manhã, pois o vento sopra a nordeste e variando para noroeste. Nuvens negras passeiam desesperadas cobrindo o azul celeste. Manhã fria, como as demais que se passaram no inverno. Lá pelas bandas da serra, o vasto véu branco cobre as grandes paredes rochosas, que se misturam ao pálido verde que aos poucos se rejuvenescia com a chuva das duas últimas noites.
O poeta já está de pé da bela e magnífica noite dormida. Sonhou com flores, comidas, diálogos e até mesmo com a esposa. Os filhos dormem serenamente o mais lindo sono. Estão serenos. De vez em quando fazem semblantes alegres. Não roncam e nem mesmo se preocupam com o novo dia nascido.
Abre a janela da cozinha e logo se encanta com o despertar do dia. Fica triste naquele momento, pois o caderno e a caneta estão longe da janela, mas ele memoriza a cena para mais tarde transcrevê-la em bonitos versos. Será obra prima e inédita, porque nas noites e dias anteriores escreveu textos na forma romântica. Quer mudar o estilo e descrever a natureza, do jeito que ela é e está ali frente a frente.
Ele sai vagarosamente ao quintal. Na árvore de manga, vê alguns pássaros pousarem e voarem. O cântico é um só, somente o canto natural para acasalamento. Algumas abelhas zoam alvoraçadas perto das flores da mangueira. Pelo visto, elas estão procurando o néctar para a produção do mais valioso e nutritivo mel. Mais pássaros se aproximam. Tudo é festa. Mais uma vez, o poeta olha para o pequeno canteiro rente ao muro de cimento. Lá estão dois ou três pés de tomates, aqueles bem pequenos, bem verdinhos e alguns na cor vermelha, em sinal de amadurecimento. Poucos pés de couve, com as folhas bem verdes, ainda guardam os pingos de chuva da noite. Melhor para os pés de rosas vermelhas. Estão lindos. Uma, duas, três e mais se abriram. Há, também, os botões prestes a abrirem para melhor enfeitar a entrada da primavera. Outras flores se abrem, tais como a margarida, o lírio e até as gramíneas despontam com o verde tom. Ainda de pé, ele olha na direção do fundo do quintal do vizinho, pois os dois galos cantam alegremente. As galinhas fazem o cocoricó tão bonito como se estivessem felizes com a nova estação. No pé de mamão, dois assanhaços entram e saem de dentro da fruta, pois nos dois últimos dias, eles conseguiram cavar a entrada e saboreiam o delicioso fruto para o sustento do dia.
Ele senta no banquinho feito de tijolos empilhados. Fica observando tudo. Até mesmo o bando de formiguinhas que saem o pequeno buraco do chão e vão andando por todos os lados. Algumas param e se comunicam entre si. Outras, meio distraídas, perdem a trilha e vão se distanciando. De repente, entre alguns escombros, sai a barata. Ela para por alguns instantes. Observa o que lhe está envolta movimentando os grandes e marrons tentáculos. Sai correndo, mas teve infelicidade, pois o grande sabiá, que estava pousado sobre o muro, em voo rasante, dá-lhe o forte bote e sai com a pobrezinha presa no bico. O pássaro pousa novamente no topo do muro e lentamente a devora. Foi, para ele, o melhor café da manhã. Outros pássaros se aproximavam, mas pousam e voam novamente da árvore de manga.
A brisa sopra lentamente, mas aos poucos, a velocidade se aumenta. A temperatura cai algum grau, porém o suficiente para que minúsculas gotas de água jorram céu abaixo e se espatifam sobre o cimento batido. Nas folhas da árvore de mangueira, as minúsculas gotas vão aumentando e fazem o barulho mais forte, vindo a cair sobre a fofa terra dos canteiros. Galhos e folhas das rosas, das margaridas, das couves e de outras plantas se movem com a brisa que mais forte está. As gotas de água vão aumentando e lentamente se transformam na chuva de primavera, mais forte e meio fria. Ao longe, escuta-se alguns trovões que rasgam o silêncio das gotas de água.
Percebendo a forte chuva e ela lhe molhando a cabeça e as partes corpóreas, o poeta corre para dentro de casa. Na brecha deixada pela janela entreaberta, ele vê a água do céu caindo. Molha tudo em volta. Então, correndo e agora com a caneta e caderno, ele terá novo trabalho.