Voltar a ser criança
O sonho se repetia noites afora. Um sonho estúpido, o homem sabe disso. Contudo, estar ali, olhando para o balanço, pensando em tentar aquilo, parece ainda mais estúpido...
- Você tem que se balançar o número de vezes da tua idade, mas contando ao contrário - disse o garotinho -, e daí, no final, pular do balanço.
Naquele sonho sem paisagem, estavam só o homem, o garotinho, e um balanço, perdidos no infinito esbranquiçado.
- Mas não pode usar os pés! - o garotinho colocou a regra.
- E daí, quando você pular, whaaah - ele abriu os braços para dar dimensão do acontecido -, você volta a ser criança!
... o homem não acredita nesse sonho bobo, é claro. Se andou até encontrar um balanço, foi por simples vadiagem. Se então se sentou no balanço, foi para descansar as pernas. E se começou a se balançar sem usar dos pés, foi por pura falta do que fazer.
Ele não acredita na promessa daquele sonho, claro que não. O homem é seco, um ser outonal, do tipo que não acredita em sonhos, magia, simpatias, deus, astrologia ou futuro. Voltar a ser criança? Absurdo.
Mas, se não acredita, então por que está se balançando sem tocar os pés no chão? Por que está fazendo a contagem regressiva da idade a cada impulso?
No zero, o balanço no alto, o homem salta - 'whaaah' ecoa o garotinho onírico.
Aterrissa aos tropeções desengonçados. As pernas cedem, cai de joelhos, as mãos esfolam quando se apoiam no chão.
Prostrado, passam os segundos, que destilam o ridículo daquilo tudo. E o homem não sabe o que vem primeiro, se a dúvida ou a certeza, se a loucura ou a leveza, se as lágrimas ou o riso.
Levanta-se, espana a grama seca da roupa, e risonho percebe a graça da situação:
- Eu posso acreditar - murmura.