Eu moro em mim
Sabe? Eu não sei. Infelizmente, por mais que eu tente resgatar na memória, não conheço os exatos momentos que me trouxeram até onde estou agora. Continuo a mesma casa, cada dia mais bagunçada entre veias e artérias; de ossos cada dia mais fracos; músculos cada dia mais flácidos; passos cada dia mais curtos. É que eu moro dentro de mim, esse vexame ambulante que não muda muita coisa, mesmo sendo uma metamorfose ambulante. Acho que a vida do camaleão é assim também, né?
Mas enfim, não preciso mesmo saber de nada. O que vier, é lucro, já que segundo o velho ditado, minha vida ainda começa daqui a pouco mais de um ano e meio. Tenho que estar preparada para dar meus passos, mesmo curtos, sustentados por essa velha casa ambulante que hoje está morando no mesmo quarto da adolescência. Talvez por isso, procure tanto os exatos momentos que aqui me trouxeram, ao olhar a colcha de retalhos que costuro desde os 16 anos nesse dormitório, refeitório, escritório, purgatório.
Com paredes para pendurar velhas e novas fotografias, faço meu horror vacui entre as artes, lembranças, objetos, livros, brinquedos e uma vontade enorme de saber ao menos como me portar nesse tal de futuro, já que do passado, vejo apenas recortes mal ou bem sucedidos, mas deles, não reconheço legado algum. Parece que o meu espírito zerou as expectativas que criou ao longo dessa existência e resolveu seguir o rumo das desmemórias. Lembranças, apenas das veleidades, prazeres, sonhos. Isso é que é vida.
E lá à frente? Que fotos vou pendurar nas paredes? Serei o mesmo Narciso, carregando o meu espírito errando de um lado para outro, aprisionando-o entre ossos e músculos que agem como se quisessem me aprisionar. Tá. Eu não sei em que pétala da rosa dos ventos destilarei minha existência do próximo momento em diante. Mas sabe? Aprendi a voar!