Chiquitinha

Vésperas de Natal. O dia fora cheio. Tínhamos vindo de trem, de Londrina a Maringa. Viagem longa , cansativa, mas, ao mesmo tempo, cheia de aventuras e expectativa. Eram seis horas de muita ansiedade. Os trilhos nos levariam à nossa maior felicidade daqueles tempos, apesar das muitas paradas, um pinga pinga sem fim , nas estações de Cambé, Rolândia, Arapongas, Cambira, Apucarana, Mandaguari, Jandaia, Marialva, Sarandi , até chegar ao nosso destino: Maringá. Eu e meus quatro irmãos mais velhos: Wilson, Rufina, Lote e Zito, amávamos essas paradas e aproveitávamos para ir ao toalete, comer bugigangas , beber água, guaraná Londrina, esticar as pernas. Fazer xixi. Eu sempre passava mal com o saculejo da velha Maria Fumaça... , estrada sinuosa, cheia de curvas ,o vômito era farto e vinha com vontade. Minha mãe me socorria. Sempre atenta. Mas, quando chegávamos à casa de meus avós maternos , José e Rufina, esquecíamos o cansaço e os dissabores da viagem. Casa cheia, abraços e beijos saudosos, mesa farta, primos todos reunidos. Pura alegria. O tempo voava. Dormíamos todos em um quarto imenso – por nós apelidado de quartão. E nem era em colchões, mas em esteiras jogadas ao chão . Era um tal de procurar as pernas de madrugada. Um mar de pernas... se bem que mal dormíamos , porque, naquela noite, o Papai Noel viria com seu saco cheio de presentes: carrinhos, bolas para os meninos, bonecas, loucinhas para as meninas. Meu avô não esquecia ninguém. E comprava tudo igual, pra não gerar ciúme, nem briga. Foi nessa noite que nós, meninas, ganhamos a bonequinha que andava. Era um luxo só. A mais bela entre todas. Um sonho. E andava. Como? Anos 50? Sim, a Estrela fazia de tudo para atrair clientes. A boneca vinha com uma linha de nylon em seu ventre e, em sua ponta, trazia um dispositivo pesado, de chumbo, que a movia para frente. Tecnologia de ponta da época . Nós ficamos apaixonadas. Amor à primeira vista. Nem dormimos mais. Encantadas, queríamos só fazer a bonequinha andar sobre a antiga cômoda de peroba maciça , com bracinhos abertos, pedindo nosso colo de crianças zelosas, já com instinto materno aguçado pulsando no coração. E nosso avô nos paparicava, sempre com um presentinho nas mãos. E Mal sabíamos que esse seria, senão o último, um dos últimos natais que passaríamos felizes com nosso Papai Noel... ficou a Chiquitinha, a boneca que ainda hoje faz meus olhos lacrimejarem de saudades.

Benvinda Palma

Bemtevi
Enviado por Bemtevi em 16/09/2022
Reeditado em 16/09/2022
Código do texto: T7607002
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