A faca nos punhos da poesia
Foi uma promessa no meio de tantas que não se quebraram.
Não cometeria o que chamou outras vezes de loucura.
Não era de cometer loucuras. Como não era de quebrar promessas.
Trancou-se no quarto como muitas vezes, mas por que carregaria uma faca entre os punhos?
Não, não cometeria uma loucura.
Ela deve tá fazendo poesia.
É isto.
Desde menina que ela mostrava esse negócio de poeta, de andar com caderno debaixo do braço, de guardar caneta no cabelo revolto, de falar coerências que nunca existiram, de chorar pelo muro do fundo sozinha.
Ela só pode tá fazendo poesia.
Traz sempre alguma mania no bolso da calça, se suja de graça na grama, cospe caroço pra cima, deita na manhã com cachorros, mas sempre que se fecha no quarto sai com um vento exposto na cara, um olhar de horizonte esticado.
Só pode ser isto.
Ela deve tá lá escutando as mentiras que alguém nunca disse, decifrando os passados de quem nunca nasceu.
Se não carregasse uma faca, eu poderia jurar que ela tá fazendo poesia.
Não pode ouvir chuva tocar no telhado que morre de ilusões pra contar dia seguinte.
Acho até que logo ela sai.
De fome de tédio ou de ódio, enquanto me bato aqui curioso, afundando de pé no assoalho, rindo até muito mais do que quero.
Foi depois de um silêncio.
Vi a porta encostada, empurrei na ponta dos dedos, o vento levantou da cortina, espalhou as notícias dos jornais dos últimos meses picados na ponta da faca.
Ela tava só lá sentada, olhando pela fresta de sol invadida, de riso feito do canto só dela, prendendo o cabelo enrolado pro alto.
Eu sabia.
Ela tava fazendo poesia.