A última Visita
A temperatura estava caindo cada vez mais, e mesmo eu gostando de frio, me senti incomodado com o clima daquele momento. Olhei para o relógio da parede em frente, e pensei estar beirando a hora que tencionei ir embora dali. Olhei de volta para o meio da sala, onde estava a cadeira de rodas do amigo que eu visitava. Ele percebeu a minha intenção e murmurou algo baixinho que eu não consegui entender.
O Asilo Santo Alfredo era uma casa famosa em cuidar de idosos, e fazia oito meses que meu amigo fora internado nele. A sua família era grande, mas na hora *H de cuidar do velho decrépito e baldoso, como criança má criada, (os parentes deixam a desejar) ninguém assume, e o coitado, quase sempre, é deixado de lado, ou aos cuidados de almas caridosas. Mas, o meu amigo era lúcido e decidido, tomando ele mesmo, a decisão de procurar uma casa para idosos. O enfermeiro lhe fez duas ou três perguntas, que teve respostas ligeiras e acertadas. O velho se sentia meio alquebrado, fisicamente, mas (admitia e repetia) sua mente estava afiada e seu humor era estável e bem balanceado.
Assim que o assistente saiu do quarto, ele me chamou para perto da cadeira, tomou minha mão entres as suas, e com olhar de molecagem e cumplicidade, me perguntou se eu ainda estava *operando a máquina principal. Rimos, os dois, e admito que gostava quando ele fazia isso. Eu nutria um carinho especial por ele. Dirigi-lhe uma piscadela e repeti a frase de sempre: O operador eficiente, está sempre cuidando de sua máquina. Ele amava ouvir isso de mim e rematava: jogue duro e aproveite bem, antes de perder a sua validade. Depois dessa brincadeira, sempre, eu me despedia.
Eu lhe fazia visitas, sempre que podia, e algumas vezes levava o meu violão para tocar algumas modas de caipira antiga para o seu deleite. Nesse dia, porém, era o dia de leitura, mas ele perguntou pela viola, como costumava dizer. Tomei sua cadeira e o levei até a sombra de uma árvore, que distava apenas alguns metros da janela do seu próprio quarto. Quase não li naquele dia, pois ele estava muito tagarela e queria falar do passado, o tempo todo. Me contou alguns causos, que jurava ter testemunhado, pela enésima vez. Mas muitas coisas verdadeiras que viveu ele contava com detalhes. Era fantástico sua caixinha de memórias.
Em nossa troca de abraço de despedida, ele pareceu-me estremecer e fez um comentário que eu não entendi. Dei-lhe umas tapinhas nas costas e falei algo confortante. Detestava quando as vezes ele chorava em nossas despedidas. Nunca levei jeito em despedidas, por isso costumo me levantar, de repente, sair rumo à porta e dizer essa frase, meu jargão; “ Deus abençoa quem fica e Deus acompanha vai! ”
O meu trabalho e as viagens me ocuparam todo o tempo nos dois meses seguintes. Quando encerrei meus compromissos, me acampei na fazenda de um amigo, por dois dias, e no final corri ao Asilo Santo Alfredo, levando meu violão e os biscoitos preferido do meu amigo. Eu sabia os horários de visitas, que aconteciam todos os dias da semana, por isso cheguei pontualmente. Na entrada, brinquei com alguns velhinhos que até já me conheciam, e lhes prometi uma serenata nos próximos minutos.
Na recepção eu assinei o livro de presença e quando me dirigia ao quarto do amigo, uma enfermeira conhecida me perguntou a quem eu procurava. Falei o nome do internado do quarto 17 e tomei um choque quando ela me disse: seu Antônio não está mais conosco. Faleceu faz onze dias. Eu sinto muito.
( Pardon )