Só mesmo o trivial
Entraram com diferença de dias no mesmo site. Ali se conheceram e se reconheceram. Entraves fizeram com que o encontro esperado, aquele em que os corpos se fundem e os cheiros se interpenetram, acontecesse bastante tempo depois que as almas se tocaram...
Da primeira vez ela foi. Ousou amar e foi. Ainda assim, ele fugiu após o primeiro contato sem dar conta de tanto sentimento (assim pensava ela), assustadoramente intenso. Ela ficou só, estupefata e triste.
A fuga dele lanhou-lhe a alma e amordaçou-lhe a verve, lançando-a na cegueira de quem, sem enxergar saída, vislumbra somente a desesperança. Desesperança não inspira poema, dá somente voz aos lamentos que se esgueiram pelos espaços vazios da mente que sofre e delira, exausta do sentir...
Havia o silêncio - que não se continha - e tomando os olhos para seu intérprete, varria os poemas na procura diária de sentir a presença que habitava as entrelinhas. Os olhos procuravam e se alimentavam do que, não dito, era inegável verdade a rasgar-lhe o peito...
E o tempo se encarregou de passar enquanto a escuridão se mantinha.
Da segunda vez ele foi. Ao primeiro chamado, a mudez dela se desfez em paixão que, contida, ameaçava romper a barreira entre sanidade e loucura. Em algum lugar não identificado, o lume do amor escavava um ponto cego para sobreviver ao mundo que, repleto de regras, contratos e acordos, compra e escraviza os sonhos.
Na privacidade de sua casa, ela o recebeu. Amorosa e gentilmente. Como quem concebe sutilezas, aspergiu perfume e sentimentalidade em toda a parte, rascunhou e criou entalhe de profundas e doces memórias em cada poro da pele e da psiquê.
O ferino desejo que se anunciava nos corpos explodiu em abraços, beijos e posse, insondável sintonia a desnudar-lhes a intimidade que só quem sem reservas se entrega pode sentir. Inaudito e transcendental momento, em sua perfeição...
De novo...ele fugiu. Não sem antes lhe recomendar estratégias de distanciamento e subterfúgios para que esse amor vivido nunca fosse identificado. Proscrito, como um pecado a ser extirpado, apenas com palavras tornou o bonito em mácula. Com uma adaga afiada desentranhou as raízes do que havia sido caprichosamente semeado em meio a bem-querer, carinho, suor e êxtase...
Doeu demais. A casa, agora vazia, carregava as marcas dele em cada cômodo e era uma agonia viver ali, execrada e oca. Tarde demais percebeu o erro de tê-lo assim tão junto de sua respiração. Ao partir, ele levou a paz e maculou seu lugar de íntimo recolhimento, com a frieza das palavras que proferiu. Tarde demais percebeu que viver de quimera, desejando-o – como antes - era muito menos excruciante do que ouvi-lo dar instruções de como não ser sua mulher.
Claramente definido por ele o limite do que viveram ou viveriam daí em diante. A pequenez do que se antevia seria a via mais precisa para a morte do amor que lhe ocupava o peito...Calou-se a poeta. Recolheu-se ao seio da alma a semente.
E fim.
Enfim...
Agora ela vive apenas e só mesmo o trivial.