Trote telefônico

Meu telefone fixo já nem existe mais, nem o aparelho sem fio que ficava pendurado na parede e mal tocava, mas quando tocava, eram só vendedores de planos de internet, pedidos de dinheiro para instituições, ofertas de planos para celulares das operadoras...

Lembro do dia em que o aparelho caiu no chão e se espatifou. Resolvi não repor. Só estava ali para a gente passar raiva. Tocava, ia atender e sempre era telemarketing.

Com o celular já está acontecendo o mesmo. A nova geração nem gosta de falar no celular. Preferem comunicar-se via mensagens no WhatsApp e perderam o velho costume de ficar jogando conversa fora no telefone.

Mas antes não era assim.

Lembro bem quando era criança e instalaram o primeiro telefone lá em casa. Foi um acontecimento.

Na adolescência, ficava horas papeando com amigas e sempre tinha alguém de casa querendo usar o telefone e mandando desligar.

Bom era falar depois da meia-noite que só pagava um pulso ou no sábado à tarde e no domingo.

Minha prima Maria Lúcia, também moradora do prédio, estava com uns 13-14 anos quando conheceu o Afonso Rocha, apelidado de Beba.

Era um bonitão e bom partido. A casa dele ficava lá na Av. Batel, e tinha uma piscina gigante, e telefone em casa.

Os dois ainda estavam naquela fase de paquera e a Maria Lúcia tentando achar um motivo para ligar para ele, mas não queria parecer que estava correndo atrás.

Os únicos do prédio que tinham telefone era o casal Dona Fani e o Dr. Oscar Aisengartner, em meados de 1964, como já relatei noutra crônica.

Na época, diziam: “telefone em casa era só para os muito ricos”.

Às vezes, Maria Lúcia criava coragem e ia lá pedir para usar o telefone quando queria falar com uma amiga. Mas certa vez, não ia dar certo ligar de lá, pois queria passar um "trote" pro Beba!

Passar trote, naquela época, era algo comum, ingênuo até. Lembro de que quando juntavam os primos, gostávamos de ligar para um número qualquer e perguntar assim:

 Alô! Aí é da casa do João?  Aquele que perdeu o calção.

 Alô! Tem alguém na linha?  Então sai da linha que o trem quer passar!!!

Aí a gente desligava e morria de rir.

Mas a Maria Lúcia queria passar um trote diferente, ligar com a voz disfarçada para não ser reconhecida.

Acontece que a Maria Lúcia sempre teve língua presa e ia ser “pega” na hora.

Outro casal que tinha telefone eram os Garbers, que moravam ali perto e a Chrysta Garbers era amiga dela. Então foi na casa da Chrysta e pediu para ela fazer um favorzão: ligar para o Beba dizendo que era uma amiga e disfarçadamente entrar no assunto e perguntar o que ele achava da Maria Lúcia, se achava ela bonita, legal...

As duas, morrendo de vergonha, ligaram, mas eis que a voz que atende não era do Beba. Era de um outro rapaz que nenhuma das duas conhecia.

Ligaram errado.

Só que o rapaz do outro lado era bem legal e conversa vai, conversa vem, eis que a Chrysta e ele viraram amigos.

Não sei exatamente como foi o desenrolar da história, mas só sei que a Chrysta acabou conhecendo seu futuro marido através dessa brincadeira. Casaram e estão juntos até hoje.

Quanto à Maria Lúcia e o Beba, também casaram.

Os dois casais já estão completando as Bodas de Ouro.

Karin Romanó
Enviado por Karin Romanó em 28/08/2022
Reeditado em 28/08/2022
Código do texto: T7592656
Classificação de conteúdo: seguro