Costurando sonhos
O português era sovino, esperto, burlão. Contratar costureiras ficava caro. Havia responsabilidades, além do salário, havia os encargos sociais. Minha mãe não sabia nada disso. Quem o indicou foi a mãe de uma amiga, Dona Mercedes, viúva, que, para criar os dois filhos, costurava o dia todo sem parar. Então minha mãe, que também tinha contas a pagar e cinco filhos para estudar, achou que seria uma importante fonte de rendas. E se submeteu ao trabalho escravo. Todo santo dia, logo de manhãzinha, lá ia Dona Chiquita, na rua Benjamin, logo depois da linha férrea ; às vezes ficava um quarto de hora aguardando as manobras do trem para poder pular a Maria Fumaça e chegar ao seu destino: uma fabriqueta de camisas, já cortadas para costura. D. Chiquita trazia muitas para casa. Tinha que conseguir. Horas e horas pedalando sem parar. O barulho do pedal, da máquina Alpha, zunia longe, espalhava nas tardes mornas de outono um canto, um lamento, de quem precisava cumprir meta, mais de setenta camisas por dia, sem histeria, sem cansaço, sem reclamação ao português que não queria choro, queria resultado. Lucro. E ela conseguia, era um avião. Hoje fico a imaginar que, a cada pedalada, um pensamento de esperança habitava sua alma, um desejo de conquista habitava seu ser e, no vai e vem frenético do pedal, esquecia o café, a água, a imaginação corria junto com o pedal... então podia dar-se ao luxo de se ver mais tarde em uma banheira de cheiros, descansando os ossos, relaxando as dores. De antever o futuro dos filhos, formados, de terno, trabalhando em grandes empresas da cidade. O sol se punha, a noite chegava, e lá estava ela costurando camisas e sonhos...
Benvinda Palma