Conto das terças-feiras – Dormindo o sono dos justos
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE – 23 de agosto 2022
Paulo, 13 anos de idade, não gostava de acompanhar enterro, nunca fora a um, muito menos entrar em cemitério para participar de velório e assistir o sepultamento de quem quer que seja. Mas, naquele dia foi diferente, era o enterro de seu pai, a quem amava muito. Sua morte acontecera às 24 horas de um dia qualquer, de infarto agudo, pela falta de oxigênio devido ao entupimento de uma artéria coronariana. Não havia registro de que o falecido tinha problemas no coração.
Paulo só tomou conhecimento quando chegara em casa, pela manhã. Encontrava-se em companhia de amigos, sabe-se lá onde. O susto foi grande, agarrou-se ao caixão, fez um escândalo chorando e quase derruba o defunto no chão. Sua mãe, parentes e amigos tentaram consolá-lo, mas o garoto estava descontrolado.
Os preparativos para a realização do ato solene do sepultamento já estava agendados. Estavam esperando apenas o carro fúnebre. Enquanto isso, orações e condolências aconteciam com o corpo ainda presente. Não havia muita gente, o finado não era bem-quisto na comunidade, mesmo assim, os amigos se revezavam na leitura de cânticos e parábolas Evangélicas. A tudo aquilo, Paulo observava calado e distante do caixão. Sua mãe tentava convencê-lo a acompanhar o féretro, ir ao cemitério. O garoto continuava irredutível.
Quando o carro funerário chegou e o caixão foi colocado no compartimento próprio, os presentes começaram a dirigir-se para os seus carros e ao ônibus que os levariam ao cemitério. Pressentindo que seria a última vez que veria o pai, o adolescente tomou coragem e seguiu a mãe, que viu naquela atitude, um ato de devoção ao homem que dera todo o carinho para seu filho, já que não era o pai verdadeiro de Paulo.
Todos seguiram o cortejo com destino ao local do sepultamento. Em lá chegando, os rituais para a ocasião foram cumpridos. O caixão foi colocado em uma gaveta mortuária, e, na hora de seu fechamento ouviu-se um grito:
— Cuidado com os pés de meu pai. Aí está muito apertado e ele não vai conseguir se mexer.
O operário que estava fazendo o serviço de lacração da gaveta parou para observar o que estava acontecendo. Todos olharam de onde saiu aquele grito, o garoto, com vergonha afastou-se e seguiu em direção à saída do cemitério. Sua mãe apenas pediu para que não saísse do local, não ultrapassasse o muro do campo-santo. O menino continuou andando, sem rumo. Ao aproximar-se da capela, percebeu que um vulto preto descia uma calçada íngreme, a passos largos, dirigindo-se para onde Paulo se encontrava. Vendo aquele vulto e pensando tratar-se de algum fantasma, que na verdade era o padre que acabara de rezar uma missa na capela, o menino tentou esconder-se em uma sepultura que estava aberta, acocorando-se em seu interior e ali quedou-se e dormiu. Estava muito cansado pela noite que passara acordado, divertindo-se com os amigos. Mesmo estando pessimamente acomodado, um sono profundo tomou conta do seu corpo.
Terminada a cerimônia de sepultamento, os presentes dirigiram-se para a saída. De cabeça baixa, ninguém deu falta do garoto, nem mesmo sua mãe, esperando que ele estivesse mais adiante. O cemitério ocupava uma área apreciável, com suas ruas e alamedas de sepulturas e de gavetas elevadas do chão. Ao chegar ao portão, não vendo o filho, a mãe se desesperou, voltou correndo ao local do sepultamento e não encontrando-o começou a pedir socorro, aos gritos.
Quem ainda permanecia no local ficou apavorado, pensamentos diversos passaram pelas cabeças dessas pessoas: alguém sendo atacado? Roubado? Alguém vira um fantasma? O pessoal da administração do local correu para verificar o que estava acontecendo. A viúva foi encontrada desmaiada próxima a gaveta do falecido marido, e quando acordada, falou do desaparecimento do filho. Chamaram os bombeiros para vasculharem o local e encontraram o garoto ainda dormindo. Foi verificada que a sepultura aberta tinha sido profanada e o cadáver que ali fazia o seu descanso eterno, fora levado daquele local.