O PAÍS DO CARNAVAL.
Um sol pra cada um no Rio. O táxi estacionou em frente a casa azul, de número 455. Dona Wilma saiu. O sorriso de orelha a orelha. O vestido florido. Os óculos. A peruca que lembrava a Alcione. A sandália e as pulseiras. O boné da Portela. A garrafinha de água. O andador, novo companheiro após a cirurgia do coração. As três filhas a cortejando. -"Boa tarde, dona Wilma." O motorista abriu a porta do carro. Alguns vizinhos aplaudindo, vendo a velha senhora saindo de casa. Ela acenou, antes de entrar. -"Vamos lá, outra vez." Foi sua única frase, em todo o trajeto do morro da Serrinha até o barracão da escola de samba. Alguns integrantes da velha guarda a receberam com abraços e sorrisos. -"Chegou a nossa compositora." No alto de seus oitenta janeiros, dona Wilma chegou lentamente ao camarote. A escolha do novo samba enredo era um acontecimento e tanto. O salão lotado. O samba comendo solto. As mulatas dançando como nunca. As crianças se divertindo. Os tamborins. Pandeiros e cuícas. O mestre de bateria ditando o ritmo. As cores da escola por todos os lados. Os três enredos finalistas na ponta da língua. Os carnavalescos eufóricos. Os jovens cantores beijando a mão de dona Wilma. A filha Anastácia limpando o suor da matriarca. Desde criança, foliã aos oito anos, dona Wilma tinha desfilado por todas as alas da Portela, das baianas a comissão de frente, de porta bandeira a integrante da velha guarda. Foi puxadora de samba enredo por sete anos. O casamento foi na Candelária mas a festa se deu no barracão. Zé Mulato era mangueirense mas virou portelense por amor a esposa Wilma. -"Eu respiro Portela vinte e quatro horas por dia." Ela disse a repórter Sandra Passarinho, da Globo, numa reportagem do Jornal Hoje, em 1986. A pandemia do coronavirus levou o companheiro e a mudança no cotidiano da líder das costureiras da escola. -"Não dá pra sambar de andador! Vou levar cinco horas pra atravessar a Sapucaí." Ela disse ao presidente da escola. -"Que acha de ser o destaque no carro alegórico? Está feito o convite." Disse o presidente. Dona Wilma quase enfartou. -"Não existe ninguém melhor que represente a força da mulher carioca e portelense que a ilustríssima dona Wilma." Disse o diretor da escola ao presidente. -"Aceito o convite mas não sei se meu coração suportará tanta emoção." Dona Wilma estava emocionada. Ela deu seu voto ao samba enredo vencedor. Apenas em 2014, no seu primeiro ano de jurada, ela votou num samba que não foi o escolhido pra brilhar na avenida. -"Preciso de um banho e de uma cerveja estupidamente gelada." Disse ao neto, após chegar em casa. O telefone tocou. -"Sim. É da casa de dona Wilma da Serrinha! Só um instante." A filha levou o celular para dona Wilma, agora estirada no sofá. -"É a produção da Fátima Bernardes, do Encontro da Globo. A pauta é Brasil, país do carnaval e querem a senhora no programa." Dona Wilma sorriu. -" Está certo, eu vou. A Fátima terá a honra de me conhecer." FIM