Uma Mulher Beirã

Os anos que por ela passaram marcaram-lhe o rosto em rugas cavadas pelo suor. As mãos grossas e calejadas pela enxada no amanho da fazenda, ainda afagam com o mesmo amor as roupas que cose e passa a ferro para o seu homem não fazer má figura.

Na vinda do trabalho de um dia a rogo que deu, traz ainda na gamela umas couves e uma mão cheia de batatas novas que a Zulmira lhe ofereceu. Vai ser um mimo para a sua família a ceia dessa noite. Fartos das batatas desgreladas e já engelhadas, as novas basta raspar para se lhe tirar a pele e que gostinho que dão, depois de regadas com um pingo de azeite ou de banha e umas petingas assadas na brasa.

Vai confiante que o lume já esteja aceso e que o seu mais velho tenha trazido uma saca de pinhas. Coitado do menino que tanto trabalha depois de vir da escola, mas é preciso, na ajuda para criar os manos.

O toque das trindades anuncia o fim do trabalho, não para ela, ainda há que fazer a janta. As camas têm que ser feitas, dar um jeito à palha do colchão e esticar a roupa. Da cozinha vem o recado que a panela já ferve. Um puxão mais apressado e toda a sua atenção se prende agora com a comida.

A ceia é servida, primeiro ao seu homem, depois os filhos, por fim ela. Vai-se comendo em silêncio como se fora pecado falar à refeição. A noite está quente, os miúdos vão brincar mais um pouco. Conversa com o seu homem sobre os viços e feijões que precisam ser regados.

São horas de ir para a cama, vai à rua chamar os garotos, lavar-lhes os pés e deitá-los. Com o mesmo carinho lava os pés ao seu marido, que vai à frente, enquanto ela se lava. Com a candeia espreita o quarto dos pequenos se tudo está bem, ao tempo que ouve o marido dar corda ao despertador para se levantarem cedo e despejar o poço antes de ir ganhar o dia fora.

Ainda mal se vê, já a picota vai acima vai abaixo despejando baldes sobre baldes no rego que ela encaminha para regar os feijões. Extenuados regressam a casa. Tudo dorme. Há que acordá-los para tomarem o café de cevada com um bocado de broa migada. O farnel para o seu homem já está pronto. É só embrulhar a marmita em jornais, para chegar quentinha, que mete num cesto de vime que ele ata no suporte da bicicleta.

Tudo despachado, sobra agora um pouco de tempo para arranjar a trouxa de roupa para lavar. Na ribeira depois da roupa lavada é estendida ali mesmo para secar e corar. Na torre, as badaladas das onze e meia fazem-na apressar. Ainda bem que já deixou o feijão cozido, com um bocado de toucinho para lhe dar gosto, agora é acrescentar água umas couves ripadas e tem-se uma sopa de se lamber os beiços, claro que não pode faltar uma boa fatia de pão de milho.

Na lareira serve escudelas de sopa que os seus meninos vão comendo, sentados no banco baixo que a rodeia. A tigela em cima dos joelhos, vão sorvendo a refeição do meio-dia a que juntam broa ralada para engrossar o caldo.

«Que deleite santo Deus, ver como eles comem». O mais velho prepara-se para sair com os rapazes do povo pastorear as ovelhas pro monte. As recomendações do costume sobre o cuidado a terem com o gado para não se perderem enquanto brincam.

A tarde ocupa-a com uma barrela mais pormenorizada e se der tempo ainda lava com sabão amarelo a pequena sala. Não deu, tem que ficar para o próximo sábado. Aproveita para alindar as roupas dos pequenos porque amanhã é domingo.

O pedido do filho para comprar mais um livro pra escola, faz-lhe dar um aperto no coração. Lá tem que tirar do saquito onde ia guardando umas poucas moedas, que punha de parte para mandar fazer umas botas para o seu homem.

Hoje não há rega, é domingo, ainda assim levanta-se à mesma hora para tratar os animais e deixar tempo livre aos seus meninos para diferenciarem o dia. O mesmo para o seu homem que depois da missa se entretém a ouvir o relato da bola e beber um copito com os amigos.

Para ela é um dia em que o trabalho no campo lhe dá folga, mas em casa não. Tem que tratar da lide caseira, os seus animais, as refeições mais esmeradas e à noite com os pequenos já na cama ainda cose uns fundilhos nas calças do seu pessoal.

- Ó Mãe vossemecê nunca descansa? – Pergunta o seu mais velho, depois de dormir o primeiro sono e ver a mãe agarrada à costura.

- Dorme filho! Tenho tempo de descansar quando morrer.- Graceja a mãe.

Jamais o Tonito se esqueceu da frase da mãe.

Quando ela faleceu a sua lápide dizia:

“Finalmente já pode descansar mamã”.

Lorde
Enviado por Lorde em 15/08/2022
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