O cruzamento
Foi no meio da madrugada que eu me encontrei com ele. Parei o carro no sinal e percebi que ele vinha na direção oposta. Era Eu mesmo ali. Estava apenas um pouco mais jovem. Aquele Eu estava na velha bicicleta. Eu sorria. Era muito diferente do que agora estava ouvindo uma música melancólica dos anos 80 e dirigindo sem saber exatamente para onde estava indo as duas da manhã. Esse meu Eu não estava usando terno. Vestia um surrado jeans. Em certo instante esse Eu virou a cabeça e me fitou. Era o ontem olhando o hoje. Era alguém que almejava ainda ser alguém olhando alguém que já sabia que era um ninguém. Ainda assim, o meu outro Eu sorriu. Eu era assim, esperançoso e feliz. Eu não sabia o que fazer direito, mas sorri de volta. Ele pareceu contente com a resposta e voltou a olhar para frente. Passou ao lado e apareceu no retrovisor. O sinal abriu. Engatei marcha e antes de acelerar olhei mais uma vez. Ele diminuía no espelho. Aumentei o volume do rádio. Eu precisava ser alguém. Eu precisava alcançar o futuro que o aquele Eu um dia desejou. Eu não posso decepcioná-lo. Acelerei e parti dali. Rumo a um amanhã que sonhei ontem. Eu não posso mais fugir de mim.