Conto das terças-feiras – O sumiço das galinhas
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE – 9 de agosto de 2022
Seu Fernando possuía uma granja nas cercanias da granja do Governador, da Estrada do Icuí-Guajará, em Ananindeua, Pará, que faz divisa com a cidade de Belém. Nela criava galinhas poedeiras das raças Rhodes Island e New Hampshire, com as seguintes características: plumagem avermelhada, porte pequeno, chegando no máximo a 2,9kg, com capacidade de postura até 230 ovos por ano. Suspensa a postura, as vendia para abatedores locais. Era um plantel de porte médio, para a região, com quatro galpões estrategicamente desenhados para o descarte de um lote anual.
Era um produtor rural, precisando apenas de uma família para tomar conta da granja. Morava na cidade e só comparecia à granja aos sábados, permanecendo até segunda-feira pela manhã, quando voltava para os seus afazeres como funcionário público. Sua granja era modelo pelas bandas do Icuí-Guajará, bastante conhecido e respeitado. Sempre depositara total confiança nas pessoas que trabalhavam para ele, por isso, a fiscalização sobre o seu patrimônio era superficial, acreditando no que relatavam essas pessoas.
Naquele dia, um sábado, ao voltar para a sua residência, por necessidade, parou em uma pequena venda, para comprar água para a sua esposa, pois fazia muito calor. Era a primeira vez que entrava em contato com o proprietário desse pequeno estabelecimento:
— Boa tarde, quero um copo d’agua, minha esposa está com sede, quanto custa?
— Dois cruzeiros – respondeu o homem, educadamente.
Foi até a geladeira, pegou uma garrafinha de água mineral e passou para as mãos do seu Fernando, que pagou e já se preparava para deixar o ambiente, pois estava com pressa, a noite se aproximava e não gostava de dirigir nessa condição.
— Doutor Fernando, o senhor não tem mais mandado frangos para a gente. Sempre pagamos certinho, nunca ficamos devendo. Nem mesmo, quando em uma ocasião, compramos 20 unidades.
Ao ouvir aquela declaração, o granjeiro se voltou para o dono da venda:
— Quantos frangos o Raimundo tem deixado aqui? Tenho alguns fregueses, tanto de ovos, como de galinha e não sei essa contagem.
— Por semana, entre 5 e 8 unidades, elas são bem pesadinhas, têm boa saída.
— Vou voltar para a granja e falar com o Raimundo para lhe atender.
O capataz da granja estava a pouco mais de quatro meses trabalhando para o proprietário da granja, o último saíra para morar em São Paulo, deixando o amigo em seu lugar. A este, não foi pedido referências já que fora apresentado por um ex-funcionário de inteira confiança do proprietário.
Ao chegar à granja, já noite, o patrão do Raimundo foi logo perguntando se teria havido algum problema com os frangos. A resposta foi negativa, tendo o patrão pedido para que, mesmo àquela hora, eles fizessem uma contagem rigorosa do plantel. Sentindo-se perdido, o funcionário apelou para uma desculpa fajuta:
— Tem uma semana que estão construindo uma barragem aqui por perto, com caminhões passando o dia e a noite, carregando material, pessoas e maquinários para a represa. Os caminhões passam em alta velocidade e com as luzes acesas. As galinhas ficavam apavoradas, deixavam de colocar ovos e muitas morreram.
— Por que você não me falou quando cheguei aqui, hoje?
— Porque o senhor estava muito cansado e com pressa.
— O que você fez com os frangos mortos?
— Enterrei, para evitar doença nos outros.
— Onde estão os enterrados?
Tremendo de medo, o empregado se dirigiu a um local recentemente revolvido, cavou e mostrou ao patrão. Só havia penas.
— Onde estão os ossos, os corpos das galinhas mortas?
— Acho que algum bicho comeu. – O homem tremia, igual a vara verde.
Seu Fernando não teve outra alternativa.
— Procure outro lugar para trabalhar e morar. Hoje vou dormir aqui, amanhã contrato um capataz honesto.
Cabisbaixo, o homem se retirou e foi para a casa de um parente perto dali. Talvez, com medo de denúncia, nunca mais apareceu pelas redondezas.