Conto das terças-feiras – Gravidez inesperada
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE – 2 de agosto de 2022
Certo dia do mês de julho do ano de 1986 ela nos procurou dizendo estar passando mal, sentindo fortes dores na região do ventre e nas ancas. Quase não podia andar. Era uma moça franzina, mais ou menos 30 anos de idade, um pouco ingênua, muito religiosa, devota do Padim Padre Cícero, só saía de casa para ir à missa aos domingos, e sempre trabalhara como empregada doméstica. Há dois anos trabalhava para nós, sem um pingo de desabono, cumpridora de seus deveres, sempre alegre, dormia cedo.
No dia das fortes dores, a levamos ao hospital e o diagnóstico foi de gravidez de sete meses, com o bebê já em vias de nascer. Ela pediu a nossa presença para confessar que não queria esse filho, que providenciássemos uma pessoa capaz de recebê-lo por doação, sem muitas papeladas, frisou! O relato a seguir emergiu quando minha esposa perguntou por que ela havia escondido a gravidez por tanto tempo, e isso acontecera, já que suas saídas de casa eram sempre para assistir à missa dos domingos. A resposta veio rápida:
“Quando a senhora concedeu minhas férias fui para a casa de minha família, no interior. Na volta, ao descer do ônibus, na Rodoviária dos Pobres, fui abordada pelo motorista de táxi que servia ao senhor Rodrigo, morador do prédio onde moramos. Gentilmente, ele disse que me levaria até em casa, e nada cobraria pelo serviço, já que iria apanhar o seu Rodrigo. Achei que não seria nada de mais, e seguimos viagem. No caminho, disse que a sua mãe gostaria de me conhecer, pois falara de mim para ela. Era só uma passada pela sua casa , e que estava nos aguardando. Concordei e chegamos à casa dela, ele abriu a porta com uma chave que tirara de seu bolso, falou para eu entrar e sentar-me em uma poltrona na sala de visita. Foi o que fiz, esperei alguns minutos, voltou dizendo que a mãe não estava em casa. Então pegou minha mão e levou-me para o seu quarto. Em seguida pediu para eu tirar minha roupa, obedeci, parece que eu estava sob o efeito de um encantado, uma entidade de outra esfera. Ele também tirou a roupa e se deitou sobre mim, me penetrando. Três meses fiquei sem menstruar, para depois perceber que estava grávida. Por medo de ser mandada embora da casa da senhora escondi isso.”
Um enfermeiro chegou com uma maca informando que seria levada para a sala de parto, pois logo a criança iria nascer. Em seguida minha esposa telefonou para algumas amigas, perguntando se alguém teria interesse em receber uma criança que estava para nascer. Uma das amigas, que também era Assistente Social, disse que um casal amigo tinha o desejo de adotar uma criança. Minutos depois veio a confirmação da aceitação pelo casal, e em pouco tempo, estaria no hospital para pegá-la. Tudo acertado, minha esposa voltou para o quarto onde estava a moça, percebendo que a criança já havia nascido.
Uma menina linda e forte. Mamava no seio da mãe, que a olhava embevecida. Passava a mão pela cabeça da criança, sorria e, com cuidado e carinhosamente, beijava-a. Ao sentir o contato com a filha, que lambia ou sugava seu mamilo, naquele momento, naquela hora, conhecida como “Golden hour” (hora de ouro) deixava-a extasiada. Intensa gratificação emocional percorria seu corpo, desencadeando forte sensação de bem-estar, provocando intenso sentimento maternal, e caloroso vínculo afetivo mãe-bebê.
Minha esposa olhava para aquela cena comovente, deixando antever que a parturiente não seria capaz de entregar aquele pequeno ser, gerado em seu ventre, carne de sua carne, sangue de seu sangue, para outrem. Com sorriso largo a mãe, olhando ternamente para a sua filha, falou:
— Senhora, peço desculpas, mas não quero que minha filha vá para os braços de outra mulher. Quero amamentá-la por todo o tempo necessário, para que cresça forte e saudável. Ela será guerreira e destemida, como eu não fui. Vou educá-la como não fui educada, ela vencerá e agradecerá a mãe que a gerou. Desculpe, mais uma vez, pelo trabalho que lhe dei ao pedir para procurar uma pessoa capaz de criá-la.
— Não poderei ficar com você e a criança, mas até ela ficar mais fortinha vocês ficarão em nossa casa.
— Vocês serão felizes!