Hilário, a Praia e o Guarda Sol

26.07.22

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Hilário não conhecia a praia em seus trinta e cinco anos de vida. Não poderia passar tanto tempo sem entrar no mar, andar na areia e bronzear sua pele alva salpicada de pintas vermelhas. Decidiu então ir até a mais próxima da sua cidade naquele final de semana de verão. A viagem de ônibus duraria cerca de hora e meia e poderia ir e voltar no mesmo dia. Estava animado.

Comprou as passagens com antecedência. Também, uma bermuda laranja e um guarda-sol, pois não aguentaria muito o sol forte que faria segundo a previsão do tempo. Estava pronto. Sua mãe, com quem morava, vendo sua euforia de menino, perguntou-lhe:

-Qual o motivo de tanta empolgação Hilário?

-Vou à praia neste fim de semana mamãe. Quero conhecer o mar, pisar na areia e tomar banho de sol e de mar. Faz trinta e cinco anos que espero por este momento.

-Ah que bom! Tem que cuidar com a insolação.

-Comprei um guarda-sol.

-Ótimo!

Sábado cedo, tomou o seu desjejum e foi animadíssimo para a estação rodoviária, distante dez minutos de caminhada da sua casa. Vestia a bermuda laranja, justa, que seu corpo redondo a preenchia totalmente, fazendo-o parecer uma bola andante. Colocara uma camisa polo, laranja também, meias brancas e sapato social preto de amarrar. Carregava seu guarda-sol junto com a inseparável maleta executiva rígida, com muda de roupa e toalha. Uma figura hilária, Hilário.

Na rodoviária, seu ônibus estava já a sua espera com outras pessoas em fila para a viagem. A sua frente, uma senhora carregava uma enorme mala, e ele, vendo a dificuldade da idosa, ajudou-a levar até o compartimento de bagagens. Ela lhe agradeceu, dizendo-lhe que foi muito gentil e cavalheiro, deixando-o felicíssimo, pois era um servidor da humanidade - fazer o bem ao próximo sempre, era o seu lema.

Partiu o carro no horário e a viagem foi tranquila, ele alegre e ansioso para ir ao mar. Dormiu a maior parte do tempo abraçado ao guarda-sol e a pasta. Roncou de dar gosto.

Chegaram! A rodoviária era a poucos quarteirões da praia, fazendo com que fosse caminhado e assobiando feliz. As pessoas que cruzavam com aquela figura hilária, riam, pois Hilário é hilário.

A praia desnudou-se para ele quando finalmente colocou os pés na areia, ainda de sapatos Vulcabrás.

-Que maravilha! – regozijou-se vendo-a emoldurada pelo mar anil que se emendava com o céu. Deslumbrante visão. Sorriu de felicidade profusamente .

Seguiu caminhando pela areia, ainda de sapatos, escolhendo um local para espetar o guarda–sol e sentar para o esperado banhos de sol. Uma leve brisa acariciava sua face rechonchuda.

Pegou o cabo e o enfiou na areia, sem se preocupar com a direção do vento. Abriu e viu que fazia ótima sombra, pois já esquentava bastante o sol do meio da manhã. Sentou-se na areia, tirou os sapatos, as meias e a camisa polo laranja, mostrando toda a voluptuosidade de seu físico redondo e branco como neve. Ficou olhando deliciosamente para o mar por um longo tempo, maravilhado.

-Vou a ele!

Levantou-se, e com seu andar de passos curtos, caminhou com sua silhueta rotunda, que projetava na areia uma sombra redonda, até os lábios do mar colocando seus pés, como de porcelana, na água. Estava fresca.

-Que delícia!

Feliz como uma criança, deitou-se sobre as ondas que iam e vinham, rolando seu corpo sobre a água. Uma visão hilária, pois Hilário mais parecia um tonel de madeira boiando na orla marítima.

Uma forte lufada de vento bateu sobre a praia arrancando o guarda-sol, que rolou desenfreadamente sem direção. Ele viu o que acontecia, e assustado, saiu correndo com seus passinhos curtos tentando alcançá-lo.

Com seus inseparáveis óculos de aro redondo, que com a corrida e maresia, embaçaram, divisou com dificuldade o guarda-sol, que parou de rolar pela praia com um vulto a segurá-lo. Ele acenou enquanto corria e berrou com sua voz esganiçada e fina:

-Meu guarda–sol, meu guarda-sol!

Aproximando-se da pessoa, viu que quem o segurava era uma moça. Baixa, de cabelos pretos puxados para trás, corpo redondo e pele branquíssima também. Usava óculos iguais aos de Hilário. Impávida, o aguardava. Usava um maiô inteiro vermelho sangue que lhe realçava toda a opulência da sua silhueta circular. Parecia ser a versão feminina de Hilário.

Ele a cumprimentou ao chegar:

-Bom dia senhorita. Desculpe-me pelo transtorno e agradeço a sua gentileza de segurar o meu guarda-sol. Muito obrigado! – com sua inconfundível voz de taquara rachada.

-Bom dia! Não tem por que se desculpar, pois eu não poderia deixá-lo correr pela praia pondo em risco as pessoas, crianças, não é mesmo? – respondendo com voz fina e aguda, parecida com a de Hilário.

Curioso, ficou olhando a moça por alguns segundos. Os dois se encaravam mudos.

Ele perguntou:

-Qual é o seu nome?

-Hilária!

-Não acredito! Eu me chamo Hilário! Que coincidência, não?

-Sim, sim, muita! Você vem sempre à praia? É a minha primeira vez!

- Não acredito! Também é a minha primeira vez!

Eles seguravam o guarda-sol pelas extremidades, como que separados por ele, e ficaram assim estáticos e atônitos por algum tempo, talvez por acharem que estavam ali na presença da sua cara metade.

Não fosse o guarda-sol, Hilário não conheceria Hilária, e quiçá, vir a ser o casal hilário. Quem sabe?

Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 29/07/2022
Reeditado em 24/08/2022
Código do texto: T7570697
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