Um pai em apuros
Manhã de sábado ensolarado, motores e buzinas de carros apressados, um entrevero de gente para lá e para cá, enquanto a algazarra da criançada no colégio se ouve a quilômetros de distância. Ronaldo decide buscar o filho na escola a duas quadras de casa.
Enquanto caminham, Rafael de mãos dadas com o pai, pergunta:
- Papai, os Incas tinham super-heróis iguais ao Batman e o Capitão América?
O pai, pego de surpresa com aquele questionamento no meio da rua, não sabe o que responder. Ele não se lembra de nada sobre esses Incas, e por que esse menino não perguntou para a professora? Respira fundo e olha ao redor para certificar-se de que não tem ninguém por perto que possa ouvir aquele diálogo, mas percebe que o menino, de sete anos, fica na expectativa de uma resposta.
Ronaldo pensa nas palavras da psicóloga na reunião do colégio: Nunca minta para seu filho, por mais difícil que seja a pergunta. A curiosidade é uma necessidade das crianças para compreenderem o mundo. Os pequenos procuram descobrir o mundo a sua maneira e fazem suas próprias investigações. Não tentem enganá-los, porque ele não acreditarão mais no que você disser.
Com medo de perder a credibilidade, ele prefere ganhar tempo e usa de sua astúcia na tentativa de desviar o rumo daquela prosa:
- Menino, vamos depressa. Sua mãe está esperando para irmos ao shopping comprar a mochila que você quer. Vamos rápido!
O moleque, desde que aprendeu a ler, tem feito perguntas difíceis e já deixou o pai desconfortável em várias situações. Cria embaraços sem saber que está jogando com a ignorância do velho. Pior é quando ele diz: Você não entende nada.
Fascinado por suas descobertas, o menino compartilha seus aprendizados com total desenvoltura. O pai se impressiona com a memória e a inteligência do filho, percebe que está ficando para trás e que precisa acompanhar a evolução do mundo.
Diante da perspicácia do garoto, ele lembra de sua infância quando largou os estudos para trabalhar e ajudar em casa. Ninguém lhe disse que era importante estudar. Ele não gostava mesmo. Quando o tempo passou, achou que estava velho demais para ir à escola. Sua mulher vive dizendo que nunca é tarde para aprender. Se a sua mãe pudesse ver a evolução do Rafa, certamente, diria com o carregado sotaque italiano que o neto deixa o pai numa sinuca de bico.
E Rafa não desiste fácil. Ele é persistente e quer ouvir a resposta da boca do pai. Levanta a cabeça, com os olhinhos inquietos e a voz afiada, e insiste:
- Mas... mas, pai, você pode me dizer quem eram os super-heróis dos antigos?
- De onde você tirou isso, menino?
- Eu li na internet que os Incas tinham muita sabedoria e protegiam seu povo. Eles eram donos de um grande império. Tinha uns chefes guerreiros com superpoderes e o deus deles era o sol. Todos obedeciam e viviam felizes. Eles construíram fortalezas, palácios, torres altas no topo da montanha. Tinham muito ouro e gostavam da natureza.
A história da antiga civilização dos Incas povoa a fantasia e a imaginação de Rafa, que não para de falar. Ele compara a força e a coragem dos Incas com as habilidades e poderes dos super-heróis, justificando toda aquela ansiedade.
Nisto, os dois entram em casa. O pai pede que o filho espere para conversar e finge que precisa responder uma mensagem no celular. Encerra-se no quarto, lê sobre os Incas, relembra sobre Machu Picchu, seu maior legado, e retorna algum tempo depois, sentindo-se mais preparado para entabular a conversação com o filho.
- Então, filho, o que é mesmo que você queria saber sobre os Incas?
O menino mais do que depressa, quase atropelando as palavras diz:
- Eu já entendi, papai. Os Incas tinham governos que mandavam no povo, tipo presidente da República, mas os soldados eram corajosos e lutavam para conquistar o império.
O pai, um pouco decepcionado, murmura:
- Então, era isso que você queria saber...
- Mas eu quero saber sobre outra coisa, diz o garoto.
Ronaldo tem a sensação de estar refém do filho, fica com vontade de mandá-lo brincar com seus amigos, mas espera para ver qual é a curiosidade desta vez.
- Papai, então, me explica isso: se o nome da cor é laranja, por que o limão não se chama verde?