03 DE AGOSTO

O dia dava gargalhadas de luz, e o Sol, dava bom dia à natureza saudando um novo amanhecer.

 

Um vento zéfiro dialogava com as folhas e as balançavam nas árvores, e estas ainda espreguiçavam-se jubilosas da noite anterior, e as palmeiras penteavam os cabelos diante dessa brisa generosa que lhe soprava a face, e galanteava, os galhos imitando-as saudavam ao ambiente, e conjuntamente balouçavam-se, e mais pareciam mãos, em cujos braços longos agradeciam, e os frutos diversos naquele jardim-pomar, tagarelavam, e espiavam, e já despertos se ofereciam aos transeuntes que por ali passavam na dádiva da generosidade do repartir dos pães, sem que haja nesse momento nenhuma conotação religiosa, mas, sim significados de solidariedade e cooperação.

 

As flores de lótulos alvinitentes, e as outras de demais matizes, gratas, inebriavam com sua beleza e perfumes, os pântanos que lhes serviam de casas, permitindo o exalar das suas fragrâncias, e faziam lembrar os peônios e os jacintos, e proporcionava-lhe a esses atascais, mesmo que momentaneamente, mudanças na sua psicosfera, desses lugares que lhes servem de berços, inebriando-os com os bálsamos da generosidade, numa alusão benfazeja, de que é dando que se recebe.

 

Um sendal de astros, que na noite passada salpicara o céu de estrelas cobrindo-lhe de eflúvios e luz, agora havia se retirado e viajado para iluminar e embelezar outros rincões com sua natureza ímpar, curvando-se, e obedecendo aos fusos horários mundiais.

 

As pessoas vindas em todas as direções e sentidos com passos miúdos contrastavam com outras que pareciam alinhavar as calçadas, Pedro Paulo, pai de Ana Júlia, Julinha, estava no segundo grupo, e alinhavava com passos vigorosos sua trajetória, andava todos os dias mais um menos 01 quilômetro, da sua casa até a oficina onde trabalhava, chegava cedo, era o patrão, e tinha que ser exemplo.

 

Mecânico de mão-cheia, como se diz na gíria, tinha uma boa clientela, e há anos os mantinham, não só em face do excelente profissional, assim como em função da confiança e honestidade, e nem mesmo a fama de careiro, os afastavam, e qualquer sintoma no carro, fosse de que marca fosse,logo seus préstimos profissionais eram solicitados.

 

Pedro Paulo tinha seu comércio na zona Metropolitana de Salvador, mais precisamente no bairro da Liberdade, a sua família residi num sítio, no município Santa Bárbara, ele vai todo final de semana passar com a família, e volta a Salvador na tarde do domingo, para o bairro onde mora na Caixa D’água, a 01 km, da sua oficina.

 

Julinha, a sua filha, e D. Carla, a sua esposa, o esperava com os olhos ávidos na estrada, e mais das vezes, imitavam, Antoine Saint- Exupéry, em o Pequeno Príncipe: “Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz”, o que lhes propiciava as harmonias nos corações, e elas abraçavam às dulcidas lições do amor, e às vezes Julinha sopitava lágrimas de emoções ao rever o pai fisicamente, pois todos os dias o vê no altar abençoado das suas lembranças, principalmente quando exorna suas preces de agradecimentos e seus pedidos de proteção.

 

Nesse contexto de amor mútuo, pai, mãe e filha intensificam as generosidades a deixarem espraiar essa amizade fecundada pelas sagrações da atenção, do respeito recíproco, e acima de tudo da contemplação, reflexões, a facultar na vida dos 03, um amor, onde a caridade e a compreensão não são unilaterais, e a razão sustenta-os nesse palco da vida, onde sabemos que nem sempre ser um mar de rosas, e espinhos, mas das vezes são acúleos impiedosos, todavia, cada qual ataviam seus cotidianos no rico mar das esperanças e do altruísmo.

 

É nesse contexto de amorosidade fecunda e de exemplos dignos, ubertosos, profícuos, opimos, que está crescendo Julinha, e hoje com 10 anos de idade já se pode ver que a colheita mais adiante, resultados dessa nobre missão de educar pelos pais, possibilitará ceifas de bons frutos, pela safra dos significados cognitivos.

 

Julinha, desde cedo notou que há músicas, cujas mensagens e musicalidade, abrem varandas na alma e derramam profusas emoções no coração, a propiciar o transbordar de momentos no qual o ser assimila-se com seu eu verdadeiro, e fazem viagens nas asas dos sonhos, e aproximam o ego do self.

 

Uma vez que, a poesia das vidas são versos que as almas defluem pelas narrativas, pelas ações que rimam a esperança na busca da felicidade, e consagra os equilíbrios, sem dar uma dimensão exorbitante ao que concerne às metáforas e ao eufemismo, mas, primam pela qualidade do que é equânime, a apostar na igualdade como solução de diversos conflitos existenciais ou não, pois o ser humano apesar das suas individualidades, todos, no entanto converge o pensamento quando se fala em qualidade de vida, as ricas oportunidades, e valorização do ser humano.

 

Essas concepções, tais discernimentos, originam-se de uma consciência moldada por um caráter lídimo, que fez das verdades em toda a sua vida, portas abertas por onde as sendas, os trilhos oportunizaram trafegar o respeito por si mesmo, o respeito por todos à sua volta, assim, Pedro Paulo norteou toda a sua vida, e tais conceitos servem hoje de esteios familiar na vida de sua filha, pelo exemplo, pois aprendemos muito mais pelas ações do que pelas palavras, haja vista, que vivemos em sociedade, e nos imitamos reciprocamente.

 

A alma da vida é o amor, e alma do amor entre também outros diversos aspectos e fatores preponderantes é a família, e Pedro Paulo, não só externava tais sentimentos, como os viviam espargindo sólidos exemplos, e poder-se-ia dizer que era modelo, referência, de bom pai, bom marido, bom chefe de família, bom amigo.

 

Tentar dimensionar o tamanho do universo é tentar explicar filosoficamente, psicologicamente ou não, a infinitude do amor materno e paterno, como se houvessem palavras ou definições, como se qualquer narrativa se iniciasse ou se esgotasse nas emoções, como se os termômetros pudessem medir a temperatura dos sentimentos, e as palavras, e os diálogos esgotassem em si mesmas diante da plenitude do amor, de pai, de mãe.

 

Não há como tirar os arco-íris do céu, e mesmo quando pintado mediante simbologias, o papel, o pergaminho, ou qualquer que seja o mecanismo, ainda retém as estrelas, como reticências.

 

Julinha, aos 12 anos de idade, se decidira que estudaria para ser médica veterinária, o intrínseco e o individual além de demais aspectos são inerentes às aspirações das criaturas, desde tenra idade seu ideal refletia e reflete seu amor pelos animais, e suas intenções estão sendo moldadas pela argamassa dos exemplos, da lisura, da verdade, do companheirismo, da solidariedade, da ausência de egoísmo, e tudo isso foram e são espelhos refletidos pela sua educação, alicerces cujas estruturas vem de uma fundação familiar que notabiliza-se pelo amor mútuo, vivenciado na paz de espírito.

 

No século XIV, Dante Alighieri na Divina Comédia, já intuía que o homem é lobo do próprio homem, o que vem a ser ratificado mais tarde no século XVI, pelo filósofo inglês Thomas Hobbes, e hoje em pleno século XXI, temos infelizmente que anuir, sem podermos nos opor, pois temos legitimado com nossas ações, tais narrativas.

 

Epicuro e Diógenes simbolizam respectivamente o ter e o ser, o que precisamente não se anela na primeira opção a felicidade, nem na segunda o conformismo, contudo espelham as opções de cada qual perante a vida, foi nessa visão Epicurista, de ter para poder ser feliz, que os dois jovens, na tardinha de 01 de agosto, uma sexta-feira, mais precisamente às 17h45mim, quando Pedro Paulo, na intenção de fechar a oficina, já antegozando as alegrias dos dias seguintes, quando estaria com sua família, e no domingo dia 03, comemoraria o aniversário de sua filhinha que completaria treze aninhos de idade, já tendo no banco de trás do carro tudo arranjado para os preparativos da festa modesta, e o presente que ela tanto almejava um celular, nesse contexto, os dois jovens invadiram o estabelecimento, e no afã do ter como expectativa de posse para suas felicidades, que era naquele estágio da vida dirigir um carro, subtraíram o mesmo, mediante a prática do latrocínio, assim, também subtraíram o bem mais precioso que Pedro Paulo tinha, depois da sua família, a sua vida.

 

Duas horas depois a notícia caia no sítio em Santa Bárbara como uma bomba atômica, causando dor física e moral, lancinante, em Julinha, em sua mãe, em D. Carla, em seus vizinhos, seus amigos, que foram chegando um a um, ainda incrédulos com o noticiário, entendiam tratar-se de fake news, porém a realidade andou veloz, emoldurou as tristes expectativas década um.

 

No dia 03 de agosto, dia do seu aniversário seu pai fizera a grande viagem, do pó vieste ao pó voltaras, e assim fechou-se um ciclo na vida de Julinha e de sua mãe, e mãos dadas experimentavam esse gólgota, e nesse calvário ou ficariam presas a esses crucifixos existenciais, e não desatariam os nós, ou seguiriam adiante, colheram essas impressões na alma como respostas,,e retiraram os cravos que as queriam prender-lhes às circunstâncias de autopiedade, e seguiram adiante.

 

Ouviram o Requeim de Mozart, e a Sonata ao Luar, Beethoven, e tiveram a nítida impressão de que as estrelas derramavam suas lágrimas.

 

Notara durante a caminhada, de volta para casa, a pé, que suas catarses foram se intensificando , dava-se o fechamento de um ciclo, e o início de outro, e o que as esperavam eram incógnitas, contudo ela foi percebendo que tinha nas mãos o xis da questão, e pela primeira vez entenderam que a vida é uma grande equação, grande expressão, os mais e os menos, são sinais matemáticos, assim como o de vezes e o dividir, e cabia tão somente a elas os sinalizar de forma conveniente, colocando e tirando, os parênteses, os colchetes em sua vida, no fito de obterem uma linguagem humana procedente.

 

O autoamor, o halo-amor, e o amor a Deus, formam um todo existencial quanto à realidade vivida o que propicia ao ser humano ser deus em miniatura, e em essência.

 

Fora dito por, Zora Neale Hurston, que o amor tira a alma do esconderijo, e Julinha permitiu que assim o fosse, entre ela e sua mãe nesse momento ela era o fiel da balança, apesar de 13 anos de idade, mantinha o equilíbrio, em que pese na alma desabarem as tempestades, porém ela tinha duas opções, fechar-se em si mesma alimentando a autopiedade, ou caminhar fazendo do fiel da balança o seu ponto de autodomínio, e assim preparando os dias vindouros no escopo de minimizar os efeitos dessa tragédia, e isso não equivale a dizer fazer de conta, e tentar sobreviver, essa não seria a estratégia correta, pois, mais dia, menos dias, as bombas explodiriam.

 

Somos pegos de surpresa, às vezes de maneira agradável ou desagradável, podendo desencadear momentos de felicidade ou de angústias, dor, inconformismo, e por aí seguem os caminhos das procelas e das bonanças, e como assimilar tais estágios da vida é inerente a cada criatura, pois cada qual sendo o somatório das suas individualidades produz de forma singular seus feedbacks, e essas respostas alcançam o ser, é características, daí, o céu e o inferno, serem atribuídos como estados d’alma.

 

Por esse motivo, podermos adjetivar, organizando as ideias, de que o trágico acontecimento na vida de Julinha e de sua mãe, por mais soturno que tenha sido, são também sinais, espelhos, e como observar-se e interpretar essas imagens, não vendo fantasmas, vai depender exclusivamente de como cada uma irá incorporar tais lições, sem atribuir-lhes noções de escarmento, por isso, os aprendizados serão estradas, e diante das sinaleiras da vida, devem analisar cada sinal com acuidade, atravessando, e não se atravessando em cada etapa das suas existências.

 

No dia 03 de agosto, Julinha renascia para uma vida nova, parecia que estava completando 33 anos de idade, pelas posturas, comprometimento, atitudes..., e em contraste com essa geografia subliminar, Hebe, a deusa da juventude soprava sobre a sua face de menina o fulgor das brisas da deidade, e ela faria as escolhas diante das escadas existenciais de via de mão dupla, que se apresentavam diante da vida, ou desceria e encontraria o fundo do poço das desesperações, e ficaria diante das suas feras: medo, ódio, revolta, desejo de vingança, etc., etc., ou ascenderia e vislumbraria as luzes no final do túnel, dando de cara com a esperança, pois, vida que segue em que pesem, as montanhas sobre os seus ombros, na visão clara de que não existem virtudes sem perdão, e bondade sem misericórdia.

 

A natureza despertava os bocejos da noite, e Julinha começava sair da Selva Selvagem de Dante Alighieri, contudo ainda terá que conviver numa sociedade, onde o leão, a pantera e a loba, em nossos dias são representados pela grande falta de credibilidade que ronda os seres humanos, estimulados por uma ganância bizarra e esdrúxula, pelo egoísmo, e acima de tudo por uma indiferença, câncer moral de uma sociedade mórbida.

Albérico Silva