Hilário, os Fios e a Senhora

22.07.22

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Hilário carregava sua cômica figura caminhando pela calçada indo ao trabalho naquele dia ensolarado. Levava sua maleta 007, seu guarda-chuva, usava terno cinza chumbo brilhante muito justo mostrando toda a opulência que um gordinho possui, e com as calças curtas, apareciam as meias brancas enfiadas em sapatos Vulcabrás pretos de amarrar. Uma hilária figura, Hilário.

Procurava todos os dias fazer algo de bom para as pessoas, para a comunidade, enfim, para a humanidade. Sempre que se deparava com alguma situação que pudesse fazê-lo, fazia. Considerava-se um bom cidadão. Era feliz assim e seguia todos os dias com esse intuito.

Não foi diferente naquele dia quente. Passava por uma rua e viu um enorme pedaço de fio dependurado na linha de energia cruzando a rua. O cabo, provavelmente de alguma concessionária de telefonia, foi ali largado ao deus dará por funcionário da empresa. Ele balançava sobre o asfalto e poderia se enroscar em algum carro ou caminhão, pondo em risco as pessoas e casas daquele logradouro.

-Mas que absurdo! Como deixam esse fio assim solto, que perigo. Deveriam ter enrolado e levado embora. Esse pessoal das instaladoras é muito negligente! – comentou mudamente.

Não teve duvida, deixou sua pasta e guarda-chuva encostados em muro de uma casa, e foi determinado até o meio da tranquila rua e começou a puxar o cabo pendente.

Ele vinha se desgrudando dos de energia conectados em um poste do outro lado da rua. Enquanto fazia um feixe, viu que a outra ponta estava ainda conectada a casa.

-E se um caminhão se enrosca e leva ele junto, poderia derrubar a parede da casa e a linha de força. Um absurdo mesmo!

Seguiu enfeixando o grosso fio, chegando com o rolo até o muro da casa na qual estava preso, quando uma senhora apareceu no jardim, e vendo aquela cena, veio a ele dizendo alto e agressiva, brava:

-O que o senhor está fazendo? Roubando os cabos da rua da minha casa? Vou chamar a policia agora!

Surpreso, Hilário não perdeu a calma, pois sabia que estava fazendo o certo, disse para a senhora:

-Bom dia minha senhora! Estou simplesmente recolhendo esses fios que estão pendentes no meio da rua e podem causar acidentes. Não estou roubando nada, pelo contrario, vou deixar o feixe aqui junto ao seu muro – colocando-o ali.

-Você está deixando ai e se fazendo de bonzinho para depois vir pegá-los – respondeu a mulher.

-Claro que não minha senhora! Estou indo ao meu trabalho, não vê a minha vestimenta? Sou funcionário da prefeitura, veja o meu crachá.

Os vizinhos começaram a sair das casas para melhor entender o que acontecia. Um deles, um senhor, disse alto olhando para Hilário, que se mantinha junto ao muro da senhora brava:

-Esse pessoal é esperto! Colocam um bobo como este sujeito aí, mais parecendo figura de circo com essa roupa curta e justa, dizendo que é da prefeitura, e roubam os cabos de luz, deixando a gente sem energia! Vou chamar a policia! – entrando decidido para a casa e voltando com o celular, já falando.

-Meu senhor não é preciso fazer isso, veja o meu crachá, ligue para lá e confirme que sou funcionário – disse Hilário calmo e imperturbável.

Ao mesmo tempo, de outras casas saíram outros homens que foram até Hilário e o seguraram, dizendo;

-Amarra ele pra não fugir!

-Que absurdo! Não sou ladrão não! Apenas estou fazendo o que a concessionária deveria ter feito, recolhido os fios que cortaram, não deixando assim pendentes no meio da rua dos senhores, podendo causar acidentes! – falou rodeado por quatro vizinhos.

O que falava com a polícia pegou o crachá e viu o telefone. Ligou.

-Bom dia, gostaria de saber se Hilário Juvenal dos Santos Lima Azevedo é funcionário daí?

-Quem? Como é mesmo o nome? – pergunta a atendente.

-Hilário Juvenal dos Santos Lima Azevedo! Um sujeito baixinho e gordinho, redondo mesmo, de cabelos pretos penteados para trás com fixador, óculos de aro redondo, usa terno cinza chumbo prateado bem justo, com meias brancas aparecendo e sapatos Vulcabrás de amarrar!

-Ah, o Hilário “bom samaritano”, sim ele é funcionário daqui sim, por quê?

-Está roubando fios na nossa rua!

-Impossível meu senhor, o Hilário nunca faria isso! Ele é ótima pessoal, ajuda todo mundo. Claro que às vezes ocorrem alguns probleminhas, mas não é ladrão não senhor! Eu garanto!

Então chegou a policia. Hilário se mantinha calmo rodeado pelos moradores daquela rua. Um policial se aproximou do grupo e perguntou:

-Bom dia senhores, o que aconteceu aqui?

O que ligou disse ao guarda, que curioso com a figura impávida de Hilário, levantou um leve sorriso:

-Esse senhor aqui estava enrolando os fios dependurados na rua e a senhora, apontando para a brava, achou que os roubava e o denunciou gritando alto. Nós, vizinhos, não sabendo o que acontecia, e como tem ocorrido frequentemente roubo de cabos aqui na rua, achamos que seria mais um caso assim e chamamos vocês. Mas verificamos pelo crachá dele que é funcionário da prefeitura e não é ladrão não! Um mal entendido, nada mais seu guarda.

-Ok! Tudo resolvido então. Não vamos registrar ocorrência. Bom dia senhores – indo em direção à viatura, balançando a cabeça rindo.

-Seu Hilário, gostaríamos de nos desculpar pelo ocorrido, mas tem acontecido muito desses roubos aqui na nossa tranquila rua, por isso nossa ação. Mil desculpas!

Hilário, mantendo-se impávido, agradeceu e seguiu para o trabalho. Ao chegar, encontrou-se com a funcionária que atendeu a ligação do senhor inquerindo sobe ele, que lhe perguntou:

-Trouxe os cabos?

Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 22/07/2022
Reeditado em 22/07/2022
Código do texto: T7565666
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