CORTANDO O SILÊNCIO
Numa bela manhã, que prometia ensolarada, bem cedinho, como sempre fazia, dona Maria saiu para dar uma olhada nos seus matapis. Quando passava em frente à boca do “Garapé” do Remanso, ouviu um forte assovio que ecoava lá de dentro, repetindo-se continuamente entre intervalos de silêncio. Ela ficou com muito medo; mas, cuíra como ela só, decidiu entrar um pouco pra ver se descobria a origem daquele som estranho e assustador.
Com leves remadas, sem fazer barulho, foi entrando silenciosamente no igarapé. Uma remada aqui, outra ali, com o olhar atento de mulher mateira, conseguia ter uma visão panorâmica de tudo à sua frente, mas nada de descobrir a origem do estranho assovio, do qual ela se aproximava cada vez mais e se arrepiava todinha a cada vez que ele era produzido. Apesar disso, foi indo, foi indo... quando deu por si, estava nas cabeceiras do igarapé.
Lá, um medo terrível a dominou completamente. Tinha a sensação de que alguém a abicorava. Então, não podendo mais prosseguir, foi dobrando o casco bem devagarinho, muito receosa de que algo a surpreendesse quando estivesse na posição de fazer o trajeto de volta pra a boca do igarapé. Seu sexto sentido não falhou, quando conseguiu dobrar o casco, ouviu uma sonora gargalhada cortando o sepulcral silêncio da mata. O susto foi tão grande, que quase alaga o casco. Às gargalhadas, seu José, esposo de dona Maria, que houvera saído com o dia ainda escuro, bem antes de ela ter acordado, e já voltava de olhar uma armadilha que havia deixado debaixo de uma comedia nas cabeceiras do igarapé, surge de detrás de uma árvore. Ela, nervosa e com a voz trêmula, aplicou um tremendo ralho nele, que não se continha de risos; mas, depois de tanto falar, ela acalmou-se. Então, ele embarcou no casco com ela e, rindo à toa, os dois voltaram pra sua casa comentando o ocorrido, deixando para trás boa parte do que tinham ido fazer.
(MOREIRA, Ezequias. Bagre, 17/06/2022)