O Destino De Laura

Laura entrou naquele lugar e tudo parecia deserto. Um silêncio assustador. Ela olhava para as janelas, para as paredes agora tão vazias e sem colorido.

Aquela casa, onde ela viveu por quase quarenta anos, agora estava vazia e a tristeza tomava conta de seu coração.

Andou por toda a casa se despedindo de cada canto.

Saiu e entrou na loja que também estava vazia. Aquele lugar que era tão alegre e cheio de vida, onde os fregueses compravam, conversavam e se encantavam com as mercadorias de bom gosto e qualidade, agora estava deserto e silencioso.

Ela pensava como seria sua vida agora e uma angustia tomava conta de sua alma.

Sentou no chão e pensou que nem tinha mais lágrimas pra chorar. Pensou em sua vida e percebeu que não podia dizer que tivera vida. Sempre viveu em função dos outros e para os outros. Como se fosse uma escrava sem vontade própria.

No ano de 1946, Ernesto Jordão era um próspero empresário do ramo de comércio varejista.

Casado há pouco tempo com Anita, passaram a morar naquela casa espaçosa e confortável e instalara, na loja anexa à casa, o seu comércio.

Era um homem avarento e só pensava em juntar. Sua esposa se ressentia de seu modo de tratá-la, um tanto rude.

No inicio de 1948 nascia Laura, a primogênita do casal. Apesar de ter uma condição financeira confortável, sua esposa tinha que cuidar de todo o serviço da casa.

E os filhos foram chegando um após o outro. E Anita sobrecarregada e cada vez mais triste com as traições e descaso do marido. Vivia deprimida, era frágil e tinha saúde debilitada.

Laura era uma garotinha encantadora. Esperta e inteligente. Falava pelos cotovelos e tinha uma curiosidade e alegria que encantava todos.

Era sonhadora e criava fantasias em sua cabeça.

Quando estava se aproximando o seu aniversário de quinze anos ela sonhava com uma festa bonita. Todas as suas colegas estavam fazendo suas festas e dançando a valsa com seus príncipes encantados. Seu pai prometeu que ela teria uma linda festa.

Por essa ocasião sua mãe estava grávida do oitavo filho que nasceria um pouco antes do aniversário. Ela estava muito deprimida e fraca.

Laura temia que por causa do nascimento do bebê tivesse que adiar um pouco a festa, mas seu entusiasmo era tamanho que não se importava muito com isso.

Pouco menos de um mês antes da data prevista para o nascimento do bebê sua mãe entrou em trabalho de parto e foi um parto complicado. A menina nasceu frágil e a mãe teve complicações vindo a falecer quatro dias depois.

Laura viu seu aniversário de quinze anos se transformar de sonho em pesadelo. Sabia que teria que abrir mão da festa. Estava sofrendo a perda da mãe, a dor do sonho frustrado e o peso da responsabilidade com os irmãos e o pai. Era a única mulher da casa, a única outra era a recém-nascida.

O tempo foi passando e ela viu sua vida, que nunca foi muito fácil, se transformar em uma responsabilidade para a qual ela não estava preparada. Teve que deixar a escola e cuidar da casa e dos irmãos. Ela e seu irmão de treze anos ajudavam na criação dos outros.

Seu pai que sempre foi distante se tornou ainda mais ausente. Trabalhava o dia todo e depois ia para farras na noite.

O tempo foi passando e Laura arcando com toda a responsabilidade da casa. Seu pai foi se perdendo em farras, bebendo cada vez mais.

Seus irmãos foram crescendo, estudando se formando, casando e ela ficando como aquela que não tinha direito a nada, como aquela que precisava se sacrificar pelos outros.

Nunca teve um namorado. Algumas vezes ela se interessou por alguns rapazes, mas não tinha tempo e nenhum se interessou por ela. Não tinha tempo de se cuidar, de cuidar de sua beleza, de seus cabelos e foi ficando esquecida pela vida. Nem gestos de gratidão por tudo que fez ela recebia. Como se fosse simplesmente obrigação dela. Aos poucos ela foi sentindo que sua vida era só aquilo ali. Esqueceu dos sonhos, das fantasias. Teve que se tornar adulta antes do tempo. Não pode voltar aos estudos.

Um a um todos os seus irmãos saíram de casa e seguiram suas vidas e ela ficou sozinha com o pai.

E seu pai foi se perdendo cada vez mais na vida e quando se deu conta estava completamente falido.

Endividado e tendo perdido seu comércio e até a bela casa onde morava ele recorreu a um ato extremo.

E numa manhã fatídica Laura foi procurar por ele na loja e o encontrou enforcado.

Ela caiu de joelhos e chorou.

Só depois soube a causa da atitude do pai. Soube que não tinha sequer um teto pra se abrigar.

Como mulher forte ela enfrentou tudo de cabeça erguida.

E agora se despedia daquele lugar. Iria morar com sua irmã que se casara muito nova e já tinha dois filhos. Mais uma vez ela assumiria a criação de filhos que não eram dela, as responsabilidades da casa que não era dela. Em troca de migalhas: um teto e um prato de comida.

Mas como sempre ela se resignou e seguiu sua vida. Pensava que não tinha mesmo direito a nada que esse era o seu destino.

Foi ficando cada vez mais triste e ensimesmada. Não tinha mais coragem de sonhar, de esperar alguma coisa da vida.

Já estava quase chegando aos quarenta anos e o que foi a sua vida? Mas ela procurava não pensar.

Saía aos domingos para ir à missa. Sempre com suas roupas simples, sem vaidade.

Um domingo ao chegar à igreja percebeu que um homem olhava pra ela com insistência. Ela olhou e seu coração disparou e seu rosto enrubesceu. Ela se afastou rapidamente indo para o outro lado da igreja. Ficou incomodada, achava-se indigna de chamar a atenção de algum homem. Nunca nenhum se interessou por ela. Após a missa ela saiu rapidamente da igreja e foi embora sem olhar para os lados.

Durante a semana ela pensou no que ocorreu na igreja. Pela primeira vez em muitos anos ela se sentiu mulher.

No domingo ela se encaminhou para a igreja. Pernas ligeiramente trêmulas, coração acelerado. Chegou e lá estava ele olhando para ela. As emoções se misturavam nela, não sabia o que pensar.

Durante a semana ela pensava nos olhares dele o tempo todo. No domingo ela se esmerou ao se arrumar pra sair. Tentou deixar o cabelo mais bonito, um batom, uma roupa mais elegante. E lá foi ela e lá estava ele.

Semana após semana eles se olhavam.

E ele ousou e sentou-se perto dela. Ela não sabia como se comportar.

Durante a semana pensou em fugir. O medo de se machucar a dominava. Não era possível que aquele homem se interessasse por ela. Logo ela, uma pessoa tão insignificante. Não sabia nada do mundo, não tinha estudos, cultura, nem sabia conversar.

Naquele domingo não foi à igreja. E chorou porque ela queria estar à altura dele. Mas se ele estivesse brincando com ela? Se fosse casado? E se não prestasse?

Mas no próximo domingo ela estava lá. E ele a esperava. Sentou perto dela e colocou em sua mão um chocolate. Ela se encantou. Nunca tinha ganhando um mimo de nenhum homem.

Na saída ele a acompanhou e conversaram banalidades.

Semana após semana eles se encontravam. Ele contou a ela sua vida, disse que era viúvo. Ela contou tudo sobre sua vida.

Ele a beijou e ela se sentiu envergonhada pois nem sabia beijar, nunca havia sido tocada por um homem.

Ele disse que queria um namoro sério com ela e os irmãos foram contra. Disseram que ninguém iria levá-la a sério e que por certo ele estava brincando com ela ou querendo se aproveitar. E ela chorou pois sabia que eles por certo tinham razão. Quem iria se interessar por ela? Ainda mais um homem como Gilberto.

E no próximo encontro ela disse que seus irmãos não queriam que ela namorasse pois achavam que ele não a levaria a sério pois ela não era boa o suficiente.

-Eles acham que eu não vou levar você a sério, que você não é boa o suficiente ou querem continuar dominando você? Mantendo você dependente e subserviente a eles?

Ela se assustou com a pergunta. Nunca tinha pensado nisso.

-Você é uma mulher adulta e pode tomar suas próprias decisões sozinha. E na sua relação com seus irmãos, se alguém deve respeito, é eles a você e não o contrário.

Ela ficou calada.

-Não acha que já passou da hora de se libertar? De tomar as rédeas de sua vida? De viver?

Ela continuou em silêncio como se a absorver e meditar tudo que ele falava.

-Por que eu estaria todos esses meses me encontrando com você, tentando lhe conhecer e estar com você, se eu quisesse apenas brincar ou me aproveitar?

-Por que eu? Eu não tenho nada a lhe oferecer. Não sei nada do mundo, não estudei, não sei nem conversar e você é tão distinto, tão culto e elegante. Eu envergonharia você.

-Nesses assuntos de sentimentos e de coração, a gente não explica. Apenas sente. Não se explica porque uma pessoa e não outra. No meio de uma multidão, a gente encontra uma pessoa específica e não se sabe o porquê.

E você precisa parar de aceitar que lhe subestimem. Você é uma mulher cheia de qualidades e o que fez na vida não seria qualquer uma que faria. Você não me envergonharia. Se tem alguma coisa que precisa mudar ou aprender vamos fazer isso juntos.

-Eu não posso, Gilberto. Eu não sei se conseguiria. É melhor a gente não se ver mais.

-Eu não aceito essa desculpa. Se você não me quer, se não gosta de mim o suficiente pra gente namorar e se casar, então eu me retiro de sua vida. Eu não vou ficar insistindo. Mas por causa dos seus irmãos e por causa dos motivos que me deu, eu não aceito me afastar de você.

Você não percebe que eles não estão querendo o seu bem? Estão querendo apenas mantê-la cativa? Liberte-se, Laura. Você sempre foi uma mulher forte. Por que tem medo de viver e ser feliz?

-Eu nunca pude viver e ser feliz. Tive que me anular por toda a vida.

-Mas agora você pode viver e ser feliz. A vida está lhe oferecendo esta oportunidade.

Ela baixou a cabeça e chorou.

-Você gosta de mim tanto quanto eu estou gostando de você? Você quer ficar comigo tanto quanto eu quero ficar com você?

Ela continuou de cabeça baixa .

-Responda, Laura. Deixe-me ajudá-la.

Ela olhou pra ele e ainda chorando disse:

-É tudo o que eu mais quero na minha vida. Mas eu não sei se devo. Meus irmãos não vão aceitar nunca.

-Eu lhe conheço há oito meses. Eu não vou esperar mais. Você não precisa da aprovação ou autorização de seus irmãos pra fazer nada. O que eles deviam sentir por você é muito amor e gratidão e não ficar tentando lhe humilhar, menosprezar e atrapalhar sua vida. Pense nisso. Pense seriamente. Eu quero me casar com você e libertá-la desse jugo.

Ela olhou pra ele com surpresa.

-Eu quero uma resposta sua em breve.

-Eu não tenho coragem de me libertar.

-Você tem coragem por que o amor é transformador.

Durante alguns dias ela ficou pensando em tudo que ele lhe disse.

Sentiu em seu coração os sonhos ressurgirem, sentiu que tinha o direito de viver e ser feliz. E decidiu que ninguém mais iria privá-la de seguir sua vida e fazer dela o que quisesse.

No próximo encontro disse a ele que queria mudar sua vida, que queria ficar com ele.

Ele a envolveu em seus braços e disse que ela não se arrependeria.

Ela percebeu que não precisava mais de lágrimas pra chorar e sim de sorrisos, abraços, beijos, carícias, amor e vida a oferecer. Decidiu que enquanto a vida lhe oferecesse vida ela ia viver intensamente sem pensar no amanhã. Retomou sua capacidade de sonhar que perdeu aos quinze anos e sentiu que realmente o amor é transformador.

Casou-se em uma cerimônia simples e foi ser a Laura que nasceu pra ser…

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 16/07/2022
Reeditado em 19/07/2022
Código do texto: T7561049
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