As férias
Como era doce o canto das aves em plena manhã. Da janela se via o verde vibrante das folhas que balançavam seguindo o ritmo do vento. Longe dos engarrafamentos e da conturbada rotina da cidade , ali me encontrava com o mundo em sua perfeita harmonia. Muitos diriam que sou uma idealista bucólica, mas a verdade é que aquelas férias não estavam nos meus planos. Não estavam mesmo! Acabara de ser promovida ao cargo de editora chefe na revista dos meus sonhos, comprara meu próprio apartamento. Me sentia quase completa, quase completa, porque o dinheiro não era capaz de me dar a paz que almejava , tampouco solucionava o vazio que procurava preencher com duas taças de vinho antes de cair no sono. Foi aí que percebi o quanto precisava de um tempo para me recompor. Pesquisei inúmeros lugares de paisagens exuberantes. Quando de repente lembrei de um cantinho de infância, a Serra do Cipó, interior de Minas. Ali vivi grande parte da minha vida com tia Nalva e vô Otávio. Nossa família não era grande e os poucos que ainda viviam estavam espalhados de Norte a Sul. Depois de tantos anos, aquela imensa vista montanhosa me conduzia de volta à menina saltitante de sorriso radiante . Aquilo não era só um caminho de memórias, mas uma oportunidade de reencontrar com o melhor de mim. Me sentia viva! Logo voltaria ao trabalho, mas renovada e feliz! No entanto, sabia que novamente me depararia com o cansaço mental , mas já estava consciente da necessidade de desequilibrar-se para encontrar um pouco de equilíbrio e seguir em frente. Aquele hiato era tão necessário quanto o ato de respirar. Mesmo distante da editora, a arte de escrever me perseguia, o perfume da mata e cada gota d'água era um convite ao texto. Como resistir à tentação de descrever aquele horizonte? Vô Otávio já não tinha tantas forças nas pernas para fazermos as trilhas de antes, mas como era nítida a sua vontade de viver. Tia Nalva, tão cheia do calor humano, tão cheia de gratidão. Embora cansados, pareciam contentes. Era mágico perceber a vida sob a ótica do olhar puro, que dispensa edições. Era como se estivesse mais perto da beleza, do real. O que aquela menina saltitante tinha a me dizer? Seria o verdadeiro eu? Esquecido e silenciado pela minha ânsia de conquistar o pódio da plenitude? Bastava um momento como aquele para tomar consciência do quanto a vida passava rápido e como estava iludida, pois a minha existência se limitava ao sucesso que estampava na vitrine chamada Instagram. Me faltava coragem para admitir o fracasso da minha utopia, porém, naquele lugar, retomava a minha verdade. Estava livre da obrigação de ser perfeita. Que sensação sublime, poder redescobrir a beleza de sonhos tão simples e se permitir na oscilante trilha do viver, que por momentos nos leva ao caos , mas em outros ao encanto da felicidade. Assim, ressignificava as minhas expectativas e retornava a rotina de desafios constantes, mas o que antes me assombrava agora me impulsionava.