CANDIDATOS

Morava na cidade mais feminicida do país, com dados comprovados pela leitura mais desatenta das notícias em portais e pelos números mais atentos de quem buscava fontes precisas de ordem quantitativa. Os agressores e assassinos de mulheres aparentavam em redes sociais serem o que se convencionou designar como gente do bem. Todos os dias chegavam as denúncias, as condenações. Mas eram lindos, era obrigada a concordar. Quem vê cara talvez espie corações, a lindeza dando mostras de modo incontrolável. Cortavam as madeixas nos salões mais caros e sofisticados da tal cidade, fazendo geométricos desenhos de quem estuda o formato do rosto e o ângulo do corte. Frequentavam academias que lhes rendiam os músculos perfeitos. Nenhuma barriga de cerveja, de idade, de glutonaria.

Encontrou distraidamente imagens de jovens candidatos a deputado estadual. Jovens, vigorosos, todos de direita, porque o povo da esquerda geralmente está no trabalho de sol a sol, na militância quando pode, bradando sem filtro solar as suas demandas de direitos e salários, sem cremes para as mãos, sem camisas de marca, o corpo exaurido. A alguns faltavam dentes, o cabelo arrepiado de ausência de cuidados, o corte feito às pressas no barbeiro mais próximo. Camisas e calças descoradas por efeito de muito tanque e varal, a que se acrescia o efeito de muita mão de escovação limpando as marcas da labuta cotidiana.

Os primeiros, eloquentes, dando ar de muito conhecer sobre a economia mundial. Diplomas. Todos falam inglês desde criancinhas. É certo que alguns exaltados, apenas quando contrariados, eram capazes dos mais sórdidos palavrões, chegando a vias de fato, mas isso ela não via, encantada com aqueles quatro sorrisos que diriam ser de branco Colgate, revelando a assídua presença a consultórios dentários de tratamento sempre caríssimo para tamanha correção e brancura. E ainda sabiam manipular o foto shop. Ou pagavam bem a publicitários conhecedores de técnicas de manipulação de imagens e retórica, de argumentação e oratória, de moda e de opinião. Falavam de empreendedorismo e o modo como, num esforço próprio de gente dedicada ao trabalho e arguta com o mercado, todos poderiam ser ricos. Ricos com piscina. Ricos com picanha. Ricos com caminhonete, com enorme aparelhagem de som reverberando as cafonas duplas sertanejas, coisa que unia o gosto de ricos e pobres desse lugar.

Suspirando, olhou os moços, a juventude tendo já passado, deixada há algum tempo enquanto se multiplicava entre ocupações de sua microempresa e do lar, obrigando-a aos cuidados de tintas de cabelo, roupas que disfarçassem o corpo já não tão sedutor, as rugas do pescoço, os braços flácido, a falta de desejo...

Lembrou-se da eleição de 89. Diziam que o eleitorado feminino se encantou com o então jovem Fernando. Ela andava de jet-ski, saltava de paraquedas e o cabelo desalinhado pelo vento lhe dava mais charme. Ela era de esquerda. Votou no desengonçado sapo barbudo, como o bonito então o designava, optando pelo que trazia a gravata fora do lugar, a camisa menor do que o tamanho do corpo, o cabelo em polvorosa...

Mantinha firmes suas convicções políticas. Militava. Nunca arredara um pé para fora do partido. Num impulso, porém, compartilhou a propaganda dos adversários. Todos jovens etc. No WhatsApp, os companheiros não entenderam. O marido roncava a seu lado.

Luiza Silva Tocantins
Enviado por Luiza Silva Tocantins em 08/07/2022
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