O con(s)certo (Conto vencedor do 32º Concurso de Contos da Cidade de Araçatuba)
O con(s)certo
Salem Aza
A plateia unânime aguardava em silêncio. O tão precioso e onipotente silêncio que tem o
poder de abrir os ouvidos da alma atenta e acalmá-la. Naquele momento, o silêncio evocado era o
anfitrião de uma atmosfera invisível e quase palpável. O cheiro de poeira exalado dos assentos do
Teatro Municipal Paulo Alcides Jorge, conhecido também “o teatro ao lado da biblioteca”, logo
seria levado gradualmente pelas notas musicais transformadas em sons.
À hora marcada, o artista surgia do camarim. O traje icônico de décadas passadas vestia uma
figura singular. Era de alta estatura com largos ombros. Olhos fundos dentro de um rosto delgado.
A tez de marfim se confundia com a gola da camisa interna. Na mão esquerda, um violino e um
arco apoiados delicadamente sobre seus longos dedos. A clássica empunhadura do instrumento foi
sucedida por uma breve e profunda respiração do músico. Todos se preparam para receber aquelas
vibrações. O silêncio, então reinante, poderia se retirar pois cumprira o seu papel por ora. Todos
eram apenas ouvidos. Todos exceto Heitor, a estrela da noite.
Suas mãos já estavam adestradas o suficiente para tocar o concerto sem olhar sequer um
movimento de arco com harmônicos artificiais ou mesmo a partitura disposta a sua frente. A mão
esquerda dançava pelo espelho do instrumento de tal forma que era imperceptível o movimento das
cordas sendo pressionadas. Sua memória muscular estava trabalhando a todo vapor. Seus ouvidos
internos estavam sensíveis e perceptíveis à menor vibração involuntariamente incauta. Seus ouvidos
da alma, no entanto, estavam voltados para seus próprios pensamentos. Aquele monólogo interior...
aquele sofrimento... aquela prece... aquele sentimento que o consumia há algum tempo inundou seu
interior.
O tempo da música seguia irrefreavelmente constante. Aqueles que estudavam música
poderiam afirmar que Heitor tinha um metrônomo interno. Mesmo em peças marcadas com
fermata, sua interpretação seguia uma métrica de tempo própria. Seu coração comandava a
interpretação. O violino nada mais era do que sua extensão corpórea. Sua voz cantava por outro
aparelho fonador. A expressão mais pura de seu ser.
A primeira sonata de Bach já estava quase em seu desfecho. Todos os ritornelos já haviam
passado. A plateia seguia a melancólica viagem sonora em sol menor da maneira que podia: uns
inquietos, outros tentando compreender os acordes implícitos na harmonia e ainda havia aqueles
que simplesmente fechavam os olhos para então poder abri-los em sua alma...
Heitor chegava ao final do quarto movimento da peça. Seu pensamento, no entanto, estava
longe. Pensava em sua esposa, nos primeiros dias de primavera em que calor da temporada
mesclara-se com o calor da paixão. Fizeram votos na primeira semana. Iriam se arranjar, iriam se
amar. Um mero violinista da Orquestra Municipal de Araçatuba, interior do Estado de São Paulo,
sonhando em prover uma vida digna para sua amada. Amanda, como se chamava o amor
encontrado, estagiava em um escritório contábil. Conheceram-se em uma apresentação natalina.
Os olhos lacrimejados emoldurados em uma face rosada combinavam com os tradicionais
enfeites da enorme árvore de natal que ornamentava a praça Rui Barbosa. Amanda nunca ouvira um
instrumento cantar. Para ela, instrumentos musicais eram apenas tocados e somente pessoas e
animais poderiam cantar. Sabia, no entanto, que a emoção que a envolvia não era oriunda do
violino. Vinha daquele moço tímido com os olhos fechados que, de súbito, mirou-a e, como se
tentasse encontrar o destino de suas notas musicais, contemplou um rosto feminino rosado. O amor,
é claro, vestido de uma paixão ardente, fez-se presente a partir de então. Heitor nunca mais foi o
mesmo.
Em poucos meses, estariam grávidos. Ela, de uma linda criança e ele, de um amor que nunca
tivera de seus pais. Clarinha, nome inspirado em uma das peças de Chopin, tinha um rosto angelical
claro como a lua cheia. A pequenina, em breve, estaria revirando suas partituras e quebrando seus
breus. Deixaria-o louco por algum tempo, tempo suficiente para descobrirem que a vida nem
sempre é justa com todos.
Iniciava-se a segunda sonata em lá menor. Apesar da harmonia ainda imprimir uma
melancolia, a mudança de tonalidade conseguiu tirar o sufoco daqueles que o ouviam. A atmosfera
sonora se transformava e, mesmo para os que já conheciam a peça, sentiam que as notas frias e
monocromáticas impressas em um papel eram filtradas e transmitidas com cores e aromas distintos.
A animosidade em cada uma das vozes fazendo contraponto, bem como a dinâmica marcada pelos
ataques precisos do arco conseguiam materializar a inanimada partitura. Estava ali, diante de todos,
um alquimista dos sons.
Heitor voltou a si, ao concerto, à peça meticulosamente tocada e, para tanto, abriu seus olhos
para ver o destino de sua alquimia musical. Poucos pareciam notá-lo. Estavam embriagados com os
sons que já preenchiam todo o anfiteatro. Havia, porém, uma pequenina que o encarava imóvel.
Sentiu-se rubro, como se estivesse desnudo, pois conhecia bem aquele olhar. Aquela expressão
questionando-o, como Clarinha sempre o fazia...
Fim da segunda sonata. Heitor precisou ajeitar a espaleira do instrumento devido ao suor.
Sentiu que a corda lá desafinara. Tocou a corda ré para ajustar as quintas. A vibração uníssona das
cordas facilitava a afinação. Alguns segundos que bastaram para sentir raiva de si mesmo. Raiva do
que fizera para as únicas pessoas que o amaram.
A viagem mnemônica de Heitor prosseguia. Era um tímido menino que se iniciou na música
por meio de um projeto social do município. Conseguiu notoriedade com a ajuda de recomendações
de seu maestro e outras influências, tornando-se rapidamente destaque nacional. Logo, o talentoso
rapaz ganhou o mundo. Era um spalla da Orquestra Filarmônica da Alemanha.
Seguiu-se a terceira sonata após a brevíssima pausa. Sentiu um breve calafrio ao se lembrar
dos sussurros e murmúrios. Os ensaios, que antes representavam momentos de aperfeiçoamento
musical, passaram a ser uma tortura para Heitor. Era sofrível ouvir as gravações diversas vezes para
arranjar as peças e os dedilhados. Todos da orquestra pareciam cochichar. Olhavam para ele de
quando em vez. Olhares mistos de pena, deboche e reprovação.
Somado a isto, sucessivas dores de cabeça o acompanhavam depois das apresentações. Em
casa, sua esposa começara reclamava de ter que repetir a todo instante o que dizia. As bagunças e
berros da filha já não o incomodavam tanto...
O inevitável estava diante dele. Ausentou-se durante um tempo da orquestra para o devido
tratamento. Após inúmeros exames o veredito veio como uma sentença de morte: ficaria totalmente
surdo em menos de um ano.
Saiu do consultório sem saber o que fazer. Todo o seu mundo havia desmoronado.
A estadia de Heitor na orquestra tinha seus dias contados.
Voltaram para o Brasil, para a grande São Paulo. Heitor não tinha mais sua pulsação para
tocar a vida. Não tocava mais, vendeu quase todos os seus violinos, exceto um, por insistência de
Clarinha que ainda sonhava em vê-lo tocando. A esposa continuava o incentivando e a filha ainda
era sua maior fã. Sentia-se um inútil que, em breve, não conseguiria fazer com perfeição o que mais
amava. Amaldiçoou Deus e o Diabo. Praguejou contra o Destino. Gostaria de ter sido grande,
tocado para milhares e carregado uma fama histórica. Aprendeu, no entanto, que como um Ícaro
reencarnado, fora queimado juntamente com suas asas sonhadoras.
O lapso temporal não seguiu seus pensamentos pois já estava na primeira partita bachiana.
Era fascinado pelas obras do alemão. A forma como compunha era inigualável. Almejava também
ter sido inigualável, mas, ao invés de herdar tamanho dom, sobreviera a Heitor a mesma maldição
de Beethoven.
A primeira partita em si menor seguia e inebriava a plateia com o estonteante contraponto
seguido de acordes. Heitor se preparava para aquele momento em que precisaria ser forte. No
quarto movimento da partita, a condução das vozes entoava uma passagem de profunda tristeza para
ele. Como num flashback, lembrou-se das últimas palavras que ouviu de sua esposa. Das
gargalhadas de sua filhinha. Do seu adeus antecipado...
Após infrutíferas tentativas em recuperar ao menos parte de sua preciosa audição, Heitor se
afundou em uma depressão. Estava disposto a esperar pela morte mas não tinha coragem para dizer
isto a elas. Pensava que já haviam sofrido demais por sua causa. Não queria mais vê-las triste.
Decidiu pela separação. Seu luto pela música também se estendeu ao matrimônio e,
consequentemente, à paternidade.
Uma lágrima escorreu de seu rosto. Mesmo com os olhos fechados, uma gota fria escorria de
seu triste semblante. O característico movimento de ombros que o ajudava a desferir golpes de arco
de modo mais preciso foi capaz de esconder aquela lágrima. Uma dor que talvez jamais cicatrizasse
continuaria castigando-o como um carma.
Quase cinco anos se passaram após a separação. Heitor voltara a Araçatuba e sobrevivia
com um salário mínimo além do benefício do governo. Morava na antiga casa que pertencera à sua
finada mãe no bairro Morumbi, próximo ao cemitério da Saudade. Não havia um dia sequer que não
pensasse nelas. A culpa, porém, sufocava-o. Tinha sido muito rude e egoísta com a esposa que só
queria ajudá-lo a se consertar.
Tinha trocado seu violino e arco por um rodo e balde. Trabalhava como auxiliar de limpeza
em um mercado no centro da cidade. Apesar de ter voltado há alguns anos a sua cidade natal, ainda
não havia se acostumado com tanta mudança. Novos bairros, lojas, mercados, parques, shoppings,
dentre outros, sinalizavam um crescimento promissor para sua terra. Até mesmo seu time do
coração, o Canário da Noroeste, estava na série A. Grande avanço, dizia para si mesmo.
A esposa e filha ficaram na capital paulista. Clarinha vivia agora na casa de seus avós
maternos. A pequena sempre enviava uma carta por mês. Heitor, no entanto, não tinha coragem
para lê-las. Pensara que jamais conseguiria encarar novamente sua esposa e filha e dizer a elas o
quanto as amava. Sua alma, assim como a de seu último violino, estava quebrada. Quem dera se
fosse tão fácil consertá-la como a do instrumento.
Já dominava LIBRAS o suficiente para comunicar-se minimamente. Não era tão dependente
pois aprendera a ler lábios em seu processo de perda auditiva. O que o deprimia continuamente era
nunca mais poder ouvir das pessoas que amava. Havia perdido a sua voz musical. Pensara que seria
“mudo” para sempre.
O prelúdio da partita em mi maior iluminou a todos. Como raios de sol quentes e vigorosos,
os ataques do arco dançavam pelas cordas e imprimiam uma alegria inexplicável. O início desta
peça marca o recomeço de um Ícaro com novas asas. Anunciava o renascimento de uma fênix
musical. Era inexplicável como essa peça aquecia de tal forma sua alma e memória.
Numa manhã chuvosa de domingo, Heitor rotineiramente limpava o corredor do mercado
quando se deparou com uma menina acompanhada de uma senhora. Em meio a tanta gente fazendo
compras, a menina olhava-o fixamente. Carregava uma maleta nas costas e apontava para Heitor
insistentemente.
A senhora, nitidamente constrangida, chegou-se a Heitor e, falando pausadamente e com
sinais improvisados informou a Heitor que aquela menina o reconhecera na internet e queria muito
que ele tocasse algo para a neta dela. O ex-músico não pode consentir pois estava trabalhando
naquele momento e explicou que não tocava há anos.
Depois de muita insistência, a velha mulher finalmente se desculpou por atrapalhar e,
pegando a menina pela mão, despediu-se do ex-violinista. Mal terminou de secar o chão do último
corredor, Heitor sentiu uma mão suave de delicada em suas costas. Ao virar-se, encarou a menina
sorrindo para ele com um violino na mão direita e um arco na esquerda.
O mesmo sorriso quente e sincero de Clarinha estava estampado no rosto da menina. Um
calafrio subiu pelas suas costas e suas pernas começaram a tremer. Conhecia muito bem aquele
sentimento. Aprendera a encará-lo em inúmeras apresentações que fizera. Pegou o instrumento das
mãos da menina e sentiu algo há muito tempo esquecido. Estava hipnotizado. Passou o arco pelas
cordas e sentiu uma vibração conhecida. Inexplicavelmente íntima. Sentiu que uma das cordas não
soava como sempre soou e, portanto, ajustou-a com a cravelha de forma intuitiva.
As pessoas que estavam próximas, até então compenetradas em suas rotinas, começaram a
observar aquele inusitado acontecimento. Expressões interrogativas se desenhavam em alguns
semblantes. Afinal de contas, o que um senhor surdo estava fazendo com um violino nas mãos?
Estaria surtando?
O arpejo inicial de mi maior seguido de um contraponto começou aquecer a alma fria de
Heitor. As mãos, apesar de cansadas não tremiam e nem se cansavam. O ex-violinista fechou seus
olhos e buscou as notas que tinha em mente. Por algum motivo, todas as vibrações que o pequeno
instrumento produzia eram capaz de vibrar também sua alma. Fechou os olhos e, magicamente, as
notas flutuavam em sua mente tão audíveis como nunca.
Enquanto executava o prelúdio da partita, Heitor abriu os olhos e não compreendia bem o
que via: a menina em lágrimas o encarava e todos em volta o admiravam boquiabertos. Vários
celulares captavam o breve momento. O ex-músico, ainda executando a peça, deu conta de onde
estava e o que estava fazendo ali. De súbito, interrompeu alguns compassos antes de finalizar o
prelúdio. Assustado, ele devolveu o violino e arco à menina e, ainda sem rumo, pensava no que
tinha que fazer. Não conseguia encarar aquelas pessoas. Os cochichos e sussurros voltaram a
persegui-lo. Não tinha o direito de voltar a ser feliz depois do que fez a sua família.
A menina, ainda muito emocionada, agradecia e chacoalhava as mãos. Como um vento
impetuoso, todas as demais mãos ali presentes começaram a chacoalhar também. Os aplausos não
sonoros comoveram Heitor. Um misto de sentimentos o deixou confuso.
Tal experiência veio acompanhada do mais puro amor. Não mais um sentimento vestido de
ardente paixão, mas um amor puro que tudo suporta e sofre. Algo que perpassa e transcende toda
dor, culpa e humilhação. A partir daquele momento, Heitor queria, em seu íntimo, voltar a tocar
violino. Precisava desesperadamente vibrar muito mais do que a alma de um mero violino. Ansiava
vibrar as almas de todos que o ouvissem.
Sem se dar conta, o violinista já havia executado toda a partita em mi maior e, após uma
brevíssima pausa, seguiu para o desfecho da sua presente performance. Gostava de inverter a ordem
das partitas. Em sua mente, ele sempre achava que a segunda partita deveria encerrar a
apresentação.
Semanas após o ocorrido no mercado, Heitor foi convidado pelas autoridades da cidade para
se apresentar em um evento importante. Surpreso com o convite, pensou em como sua esposa e
filha reagiriam. Aprovariam ou não recomeço? Ao menos responderiam a ele? Como escreveria
para elas? Estas e outras indagações o atormentavam e desafiavam-no a tomar uma atitude.
Depois de alguns dias pensando muito, decidiu-se: escreveu uma carta convidando-as. Em
menos de uma semana veio uma resposta inesperada. A sogra de Heitor, de maneira rude o
informara que a filha e neta haviam se mudado para o interior de São Paulo. Enfatizou ainda que
elas mereciam uma vida melhor e que não voltasse a incomodá-las.
A partita se iniciava. Heitor, ao relembrar que talvez nunca mais as veria, julgou ser um erro
ter aceito o convite para se apresentar. Não merecia voltar a ser feliz depois do mal que fez às
únicas pessoas que já o amaram. De qualquer modo, a apresentação já estava quase no fim.
Chacona, o quarto movimento da segunda partita, marcava o desfecho de toda apresentação.
Iniciou com o acorde cheio de ré menor seguido de uma cadência de terças e quintas.
Indubitavelmente, aquele trecho inicial poderia ser repetido inúmeras vezes sem nenhuma variação
e ninguém notaria já que estavam entorpecidos pelos tons azulados e esverdeados que se
desenhavam como ondas em suas mentes. A sonoridade menor tinha um poder único de levar
cheiros, sensações táteis e visuais para os ouvidos atentos.
Já estava quase seco o seu rosto quando foi forçado a se segurar pelas vibrações que aquela
variação da peça causava. Várias lágrimas conduzidas pelas vozes em contraponto jorravam de seus
olhos antes inexpressivos. Aquelas duas vozes que cantavam para ele assim como a filha e a esposa
ficariam apenas em sua memória. Eternamente em uma cadência infindável.
O grande final da chacona foi curto. Cortante como um vento indesejado que entra pela
janela nos dias frios. A plateia estava atônita com a apresentação e, antes de perceberem que
deveriam, no mínimo, aplaudir, entreolharam-se constrangidos. Não sabiam o que fazer exatamente,
pois se sentiam em outro lugar. O magnífico alquimista dos sons também se transformara. Era agora
um violinista com lágrimas nos olhos. Cansado. Exausto.
Como uma avalanche, as palmas dissiparam os resquícios de toda aquela atmosfera musical
além de dispensarem o silêncio anfitrião mais uma vez. Alguns apenas chacoalharam as mãos,
lembrando que essa era a melhor forma de ovacionar o músico. O violinista podia sentir o calor da
gratidão e sentir o vibrar de cada alma ali por ele tocada.
Heitor cumprimentou a todos. A pequenina, que o encarava imóvel até então, segurava o
choro. Ele, já entregue às lágrimas, retribuiu-lhe com um enorme e resplandecente sorriso.
Voltou-se para o camarim e ficou estupefato: Amanda e Clarinha estavam sentadas ali todo
o tempo. Ouviram seu todo o concerto como já o haviam feito inúmeras vezes. Heitor, sem saber o
que e como falar apenas começou a chorar e implorar por perdão. Não sabia por onde começar e se
questionava como sabiam que ele estaria ali.
Antes que pudesse concluir suas conjecturas, a filha, com um celular na mão, mostrou-lhe
um vídeo viral em que um violinista enfeitiçado tocava Bach com perfeição dentro de um mercado
na cidade de Araçatuba. Clarinha, sorrindo e chorando ao mesmo tempo abraçou-o e lhe entregou
seu único violino que restara. Disse que a mamãe mandou consertá-lo. A alma, um cilindro de
madeira que permite a sonoridade correta do instrumento, estava solta dentro dele.
Amanda o encarava, não mais com rancor ou dor. Sua esposa estava emocionada pois não
acreditava ser possível ouvir novamente a alma de Heitor vibrar novamente. Sem pronunciar
nenhuma palavra, abraçou-o também. Estavam todos juntos novamente. Haviam sido restaurados.
Ele, sua família e o violino. A música os salvou. O conserto os restaurou. O concerto os uniu
novamente no mesmo lugar onde o amor nascera. Como filhos pródigos que voltam à casa do pai,
voltaram às origens, à polis que os acolhera novamente.