Conto das terças-feiras – A festa de São João de Julinha
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE – 28 de junho de 2022
Tudo começava com o desfile de carroças enfeitadas com papel crepom colorido e palhas de coqueiro, desenhando um arco, como elemento estrutural, levando os noivos para o terreiro. Atrás, vinham os convidados, todos devidamente fantasiados, os homens de calça branca e costuradas com pequenos pedaços de tecido colorido, camisa quadriculada, gravata espalhafatosa e chapéu de palha. As moças, bem pintadas, de saia rodada, bastante colorida e armada com duas, três e até quadro anáguas, conferindo amplitude e beleza ao conjunto. Anunciava a abertura da quadra junina pelos bairros da cidade. Era um espetáculo que enchia os olhos dos adultos e da garotada local, uma média cidade do interior da Bahia.
A circulação desse cortejo tinha início às 19 horas, com fogos de artifícios explodindo no céu. Bandinha tocando forró, baião, xote, acompanhada por sanfona, triângulo, zabumba e pandeiro, espalhava alegria. O povo nas janelas e portas de suas casas, a maioria enfeitadas, e as ruas cobertas por bandeirinhas coloridas – bandeirolas – amarradas aos postes traspassavam de um lado ao outro das ruas, circunscrevendo um espaço mágico onde imperava a alegria.
Os brincantes cantavam e dançavam dentro de suas carroças, com entusiasmo fazendo o coro musical estremecer por onde passava. Frente a algumas casas, seus moradores também cantavam, os vizinhos se juntavam e dançavam quadrilhas, ali mesmo formadas. Tudo respirava regozijo, satisfação, afinal era uma das festas mais esperadas na cidade, dois meses antes começavam os ensaios, para tudo sair perfeito.
Quando o cortejo junino passava em frente à casa de Júlia, seis anos de idade, a menina olhava atentamente, para ela, tudo era magia. Já de camisola branca, pronta para dormir, escondera-se entre algumas plantas do jardim de sua casa para não ser vista e mandada entrar. Antes, desfizera sua cama, jogando o lençol sobre o travesseiro, para causar a impressão que ali dormia alguém, ela.
O desfile se afastava lentamente da rua de Julinha, algumas pessoas o acompanhava até o lugar – terreiro - da apresentação da quadrilha, ponto alto dos festejos daquela noite. Uma multidão – para a cidade – aguardava pacientemente o momento. Em local apropriado vendiam-se as iguarias da festança, pipoca, milho cozido e assado, bolos de milho, de batata doce, de aipim, canjica, pamonha, arroz doce, mungunzá, cocadas, branca e preta, e outras guloseimas. Vendia-se também acarajé, abará, vatapá, caruru, amendoim cozido e outras coisas mais. Também bebidas alcoólicas, como cerveja, licor de jenipapo e cachaça. Poucos tomavam refrigerante.
Os que chegavam à praça, não notavam aquela figurinha de branco, alegremente dançando ao ritmo das músicas sertanejas. Demonstrando agilidade para tal, enquanto as pessoas passavam a mão sobre a sua cabeça e seguiam andando. Era difícil acreditar que aquela menininha dos cabelos pretos e compridos, estivesse ali sozinha. Havia muitas mães por todos os lados, todas ocupadas em proteger seus filhos, por certo a mãe de Julinha estaria de olho nela, por isso o descaso. A descontração da garota não levava a alguém pensar o contrário.
A menina foi ficando ali, tudo estava “legal” para ela, até que, o horário já avançado, a praça foi ficando vazia. A música parou, ela não deu fé, continuou dançando, o alto-falante instalado na praça não parara de tocar, prolongou por duas horas a brincadeira. Já não havia mais ninguém naquele local, apenas três ou quatro criaturas, escornadas no chão, sob o efeito da “mardita manguaça”.
Alguns cachorros perambulavam pela praça, em busca de resto de comida, de repente iniciou-se uma disputa entre eles, por um pedaço de osso com carne. Corre para lá, corre para cá, a turba de cães de rua passou perto da garota, assustando-a. Ela se viu sozinha, olhou para todos os lados, não encontrando quase ninguém, começou a chorar. Sentou-se próximo a um banco da praça, tentando ficar escondida dos vira-latas. Ali dormiu, acordando quando o sol despejava seus primeiros raios da manhã sobre a cidade. Assustada, correu em direção à mercearia que acabara de abrir, e vendia doces e pães. Seu proprietário, percebendo aquela cena, perguntou o que ela estaria fazendo ali, de camisola e suja, obtendo a resposta. Uma senhora entrara no estabelecimento à procura de pão, reconheceu a garota e prontificou-se a levá-la até à mãe dela, que era sua vizinha. Quando as duas chegaram na casa da menina, a família estava desesperada, o pai já se encontrava na polícia para relatar o desaparecimento da garota.