A MISTURA DA VIZINHA
José era um menino franzino, pele e cabelos claros, olhos castanhos, o sétimo filho de uma numerosa prole de 14 irmãos. Nasceu numa cidade do interior do Ceará. Morava numa rua humilde e extensa, onde viviam inúmeras pessoas idosas, dentre elas, uma senhora muito religiosa, que residia bem próximo à casa da família do José. Naquela época, início dos anos 1960, as pessoas das pequenas cidades tinham o hábito de comprar suas misturas diariamente, conforme as posses e necessidades. Numa manhã, muito cedo, a conhecida vizinha, vendo José passar em frente à sua casa, e como costumava fazer, chamou por ele para pedir-lhe que comprasse pequena quantidade de carne bovina, e mesmo que essa missão não fosse bem aceita pelo menino, atendeu à amiga e comadre da sua mãe. Compra realizada, o marchante enfia o minúsculo pedaço de carne numa palhinha verde de carnaúba, como era costume da época. José, cumprida a missão, sai pelas calçadas e toscos calçamentos do centro, levando pendurada pela mão a tão esperada encomenda da vizinha, que serviria para o complemento do seu almoço do dia. Por descuido do menino, um cachorro vira-lata e traiçoeiro arrebata de sua mão o pedaço de carne e sai em desenfreada carreira, sem chance de ser alcançado. José, desesperado e aflito, mudou até o caminho para não passar em frente à casa da vizinha, e, chegando em casa, escondeu-se detrás de uma porta, entre muitos soluços ouvidos por uma das irmãs mais velha. Então, ele contou para ela a tragédia do roubo do pequeno petisco de carne. Mais calmo, José soltou suas farpas: “bem feito, quem manda essa velha ser tão miserável!? E coube à irmã levar à vizinha, já aflita pela demora da encomenda, a notícia do triste episódio, mas conduzindo o almoço oferecido pela mãe do menino, para amenizar a situação. Ao cachorrinho faminto, restou a felicidade de matar parte de sua fome, sem esforço de mastigar o minguado pedaço de carne.