Conto das terças-feiras – Reinaldo e Lili
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE – 21 de junho de 2022
Reinaldo e Lili casaram-se muito cedo, ainda meninos, 15 anos os dois. A pressão para acabar o namoro vinha dos pais do adolescente. Todos os dias uma briga com a mãe, que não admitia aquela união tão desejada pelos dois fedelhos, como nomeava dona Corina, mãe de Reinaldo, um moleque. Os pais de Lili não se metiam nessa história, achando que tudo não passava de fogo-de-palha, empolgação. Diziam que tudo seria esquecido quando deixassem a escola a caminho de enfrentar a vida real.
Conheceram-se na escola do bairro, onde estudavam. A primeira aproximação foi tímida. Nenhum dos dois havia namorado, tinham tido contatos apenas com amigos e colegas, nada sério. Lili, mais tímida, quase não olhava para os meninos, falar, nem pensar. Já Reinaldo era mais esperto, trabalhava na feira-livre com o pai, pela manhã. Por força do serviço, falava com todo mundo, como se diz por aí, com Deus e o mundo. Menino forte e esbelto, até as patroas o olhavam com olhares maliciosos, e ele sabia disso. Gostava de levar as compras de algumas freguesas, porque o convidavam para entrar, davam-lhe suco, Coca-Cola, acompanhado de um pedaço de bolo.
Enquanto estava ali a se fartar com bolo e Coca-Cola, a dona de uma das casas visitadas se afastava para trocar de roupa, deixando a porta do quarto semiaberta. Pelo espelho da porta do guarda-roupa, era possível ver os movimentos da madame, como era tratada pelo garoto. Aquelas cenas o incitavam, deixando-o descontrolado e com medo, pensando que o marido da senhora poderia chegar a qualquer momento, embora não fizesse qualquer movimento para dali sair. Isso acontecia rotineiramente em outras casas, com outras senhoras, parecendo ação combinada entre elas, que nem se conheciam.
Certo dia o garoto falou ao pai que não queria mais levar mercadoria nas casas das patroas, tendo recebido um não categórico, sob a justificativa de que não poderia pagar um ajudante para isso. Cabisbaixo, o menino recuou e pensou alto: seja o que Deus quiser!
Foi nessa época que se aproximou mais de Lili, tentando conversar demoradamente com ela. A menina já havia percebido aquele rapaz bonito e conversador, não custaria nada parar um pouco e falar com ele, saber o que pensava e desejava. Queria descobrir mais sobre a vida, sobre pessoas, já que quase não saía de casa, era de casa para escola, da escola para casa, assim, resumia-se a vida de Lili.
Com as experiências adquiridas com as patroas, Reinaldo foi ficando esperto nas ações sobre como conquistar uma mulher. Sonhava um dia deitar-se com Lili, coisa quase impossível. A timidez dela era muito forte, uma barreira quase intransponível. Aos poucos foi-se chegando, um bate-papo sobre o vestido que a menina usava, no primeiro encontro fora da escola. Depois sobre uma fita no cabelo, que ela acabou descartando, pois entendera que o rapaz não gostava daquele enfeite. Veio a vez de falar sobre a saia dela, muito comprida, levando-a solicitar da mãe o seu encurtamento, era a moda da minissaia. A mãe concordou, mas não exagerou na dose, vindo a decepcionar o marmanjo.
Assim, ele avançava na descaracterização da timidez da jovem, deixando-a mais atrevida, mais ousada. Ganhando terreno, o arrojo do garoto aumentava, já conseguia uns beijinhos e tocar nos seios virgens da adolescente, logo pedindo desculpas pela imprudência, foi sem querer, dizia. Calada, Lili permanecia, traduzindo por Reinaldo como um consentimento, um sinal aberto, autorizativo de passagem.
Passados alguns meses, daquela garota tímida e desconfiada já não restava nem traços. As coleguinhas e a própria família já notavam e comentavam as mudanças. A mãe dizia “esta garota está se desenvolvendo muito rapidamente, qual o milagre?” Ninguém, nem mesmo a família e as duas melhores amigas sabiam do relacionamento dela com Reinaldo, eles só se encontravam fora do colégio, onde, no caminho havia um motel, que funcionava das 16 às 24 horas. As visitas a esse estabelecimento aconteciam entre 17 e 18 horas, e por serem menores de idade contavam com a cumplicidade do porteiro, que fazia vista grossa.
Certa tarde Reinaldo e Lili não voltaram da escola para casa. Aquele alvoroço entre os pais da garota, principalmente. Na polícia registraram um B.O. Quando chegaram em casa acharam um bilhete, informando que os dois haviam partido, depois dariam o endereço e os motivos daquela fuga. No final pediam desculpas pelo ato. O mesmo bilhete fora encontrado na casa de Reinaldo.