A aula
O sinal toca, a próxima aula é de literatura. A turma do nono ano aguarda o professor, metade em pé à porta, os demais dispersos em animadas conversas em meio aos móveis da sala.
O pequeno professor, enigmático e de cabelos mal penteados, adentra declamando O pássaro azul de Bukowski. Eles acomodando-se, demoram a fazer o silêncio que a lição do dia ora recomenda. Os meninos ao ouvirem sobre putas e uísque, dão risadas descontraidamente e as meninas voltam a atenção interessadas no que há de vir.
O segundo aluno da direita, pergunta ao declamante, assim que este finaliza a leitura:
- Professor, o que é o pássaro azul?
Mas antes que dirimisse a dúvida do ávido adolescente, o mestre olha para a turma e responde com outra indagação :
- Vocês conhecem Franz Kafka?
Começa um breve relato sobre o inseto descrito em A Metamorfose, o qual acomete ao cacheiro-viajante Gregor angustiantes surpresas. Acontece que ao acordar pela manhã, o vendedor ver-se transformado numa espécie de artrópode.
Ouve-se um burburinho, alguns querendo saber sobre a ave e sobre o inseto e outros, qual relação existia entre ambos. O professor que está no centro da sala, levanta as mãos pedindo silêncio e dirige-se lentamente à sua mesa e saca da bolsa um exemplar de Ecce homo, do filósofo alemão. Deixa-o aberto aleatoriamente sobre a bancada.
Pede para que alguém acione a lanterna do aparelho celular e o traga até ele. De lanterna acesa ele prossegue: Certa feita, Nietzsche de posse de uma lamparina foi ao mercado municipal da sua cidade examinar entre os transeuntes, com o seu farol em punho e os olhos fumegantes, procurava encontrar alguém a quem pudesse considerar Um homem! O filósofo foi um crítico ardoroso da sociedade da sua época, a Europa e sobretudo a Alemanha. Ele repudiava os valores estabelecidos pela tradição e a moral cristã, as quais subjugavam a humanidade, ele afirmava que um novo homem deveria emergir, este sem ressentimentos do passado e sem as superstições do porvir.
O professor continua a explicação, demonstrando para os seus pupilos, que na obra de Kafka, o autor descreve o processo de transformação que o seu protagonista passa desde que acordara metamorfoseado. De forma cronológica sua rotina é totalmente alterada, passando a viver e a ser tratado por todos como um bicho, num processo de desumanização do personagem, que vai muito além da mudança do corpo físico, mas também da sua identidade.
Nietzsche considerava que o homem deveria também passar por uma metamorfose: de animal para o novo homem. Aliás o filósofo afirma que há três metamorfoses, do camelo do Leão e da criança.
- Professor, o senhor pode explicar as três metamorfoses?
- Não Nicolas, isso é assunto para outra aula. E prosseguiu.
Nietzsche fazia oposição do velho homem, apaixonado pela sua cultura e seus valores, preso às suas tradições, e o novo homem, este, livre, criativo, sem apego às velhas formas de costumes. Capaz de superar todos os humanismos empoeirados pelos séculos. Desfazendo-se da casca velha, que não lhe cabe mais, como um casulo que deve ser rompido, para dar asas ao novo ser.
Lá no fundo da sala , Marina levanta a mão e pergunta: - E o pássaro ?
O professor vai até ela.
- Vomita!
- O que?
- Vomita ele agora!
Vomita o pássaro azul.
O sinal toca, todos saem... correndo e gritando corredor a fora. É a hora do recreio.