O ENREDO DE VISAGENS NA TAPERA DA MATA

O ENREDO DE VISAGENS NA TAPERA DA MATA

Autor: Moyses Laredo

Ainda crianças, por um certo período, moramos na Colônia do Cambixe, hoje Paraná do Cambixe no Amazonas. De uns tempos pra cá, me interessei em saber a origem desse nome. Nas décadas de 1900 a 1930, o município do Careiro da Várzea, nesse lugar ainda sem nome, era frequentemente visitado por turistas ingleses, que chegavam nas embarcações da Booth Line, ávidos para o esportes da pesca e do remo. A região ganhou o apelido por eles, de Lago do Cambridge, referente ao estreito lago da antiga cidade universitária Cambridge na Inglaterra, onde as práticas do remo eram frequentes.

De Cambridge para Cambixe é quase a mesma sonorização, é também uma perfeita transliteração. Paraná é o braço de um rio caudaloso, separado do curso principal, por uma ou várias ilhas. Então explica o nome inteiro. O mesmo aconteceu no Nordeste com a festa forró, que foi modificada de “for all” – (para todos). Os americanos baseados em Natal, na época da II guerra, faziam festas reservada para o seu pessoal, mas, vez por outra, abriam os portões para todos e anunciavam que era “for all” e a pronúncia foi modificada para forró até hoje.

A nossa casinha no dito seringal do Careiro, no Amazonas, era de madeira serrada suspensa do chão, coberta com alumínio, já bem velhinha, de piso também em madeira, como todas casas do lugar; só que na área da cozinha já encostando na parede, havia um buraco nas tábuas apodrecidas do piso, de onde se dava pra ver o mato debaixo. O pai dizia que era porque a mãe vivia baldeando a casa, ela de fato sempre teve mania de limpeza e tacava água pra limpar os pés de lama dos que andavam por lá. Enquanto o tal do buraco não era consertado, a mãe empurrou pra cima, uma grande caixa telada que tinha pés, de fazer carne de sol, como o jeito de esconder aquilo e evitar de alguém se acidentar. O enredo começa aqui: – “Na época eu era o terceiro de uma ninhada de 6 filhos, deveria ter no máximo uns 4 anos. Numa noite de trovoadas, acordei chorando chamando pela mãe, não havia nenhuma lamparina acesa em toda casa; ela do seu quarto, falava baixinho para que eu fosse até lá, dizia – “Vem pra cá”, levantei-me da rede e segui em direção a porta do quarto. Nesse ponto do relato, as coisas começaram a mudar, ao invés de seguir pela direita onde era o quarto da mãe, algo me conduziu a seguir para esquerda, em direção à cozinha, não sei explicar porque fizera isso, ao ouvi-la, me parecia estar sendo chamado naquela direção.

Ao chegar na cozinha, parei diante da caixa telada, daí aconteceu o inexplicável, comecei a entrar de costas no tal buraco, primeiramente pelas pernas, vi que não tinha fundo, ao mesmo tempo me senti sendo puxado com força para debaixo da tal caixa telada, a minha sensação era de que já estava com quase metade do corpo dentro daquilo. Que coisa mais estranha estar contando isso agora, depois de tanto tempo, parece invencionice de criança, mas não, eu de fato senti tudo isso, a minha memória é excelente, eu até tentei contar pra minha mãe, mas o olhar dela me fez “se” calar. Ademais, aquele buraco no piso da cozinha não era nosso lugar de brincadeiras, a gente preferia o terreiro amplo e cheio de obstáculos, nenhum de nós havia sequer entrado ou visto o tal buraco de perto.

Mas voltando à história, quando estava sendo conduzido pela entrada do tal buraco, pude sentir umas “garras” me pegando pelos lados da cintura e me puxando com mais força para o fundo, naquele momento achei que poderia acabar me machucando nas pontas das tábuas podres. De repente, eu ali naquela posição, como o despertar de um sonho, me veio a lucidez de questionar o porquê de eu estar ali, o que estaria fazendo naquela posição? ...e logo de noite e na maior escuridão? Um intenso medo me tomou conta. Como eu tive esse despertar nunca soube; comecei a gritar pela minha mãe, agora já em completo desespero, só lembro que no meio dos gritos, comecei a ser puxado de volta pelas mãos, não vi por quem, imaginei a mamãe vindo me buscar, mas não era ela, “aquilo” que me puxou gentilmente e me conduziu certinho em direção ao quarto da mamãe, eu nunca soube quem era. Por muitos anos ficou em mim a ideia de que as almas tinham unhas compridas! Nunca mais cheguei perto daquele tenebroso buraco. Graças que o pai, nesse mesmo dia, tampou ele com tábuas novas.

Molar
Enviado por Molar em 08/06/2022
Código do texto: T7533734
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